Conflito de interesses. Mais um ministro forçado a esclarecer dúvidas

Ministro das Infraestruturas com quota em empresa que fez contrato com entidade estatal. Pedro Nuno e Governo sublinham que está fora da área por si tutelada, invocando um parecer da PGR
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Primeiro tinha sido Manuel Pizarro (novo ministro da Saúde); depois Ana Abrunhosa (ministra da Coesão); e agora chegou a vez do ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, um peso pesado no aparelho do PS há anos falado como muito provável candidato à sucessão de António Costa na liderança do partido quando decidir retirar-se.

Segundo o Observador, o ministro tem quota na Tecmacal, empresa que fez por ajuste direto um contrato (de 19 mil euros), com uma entidade estatal, o Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado. Ora isso poderá configurar da parte de Pedro Nuno Santos uma violação do regime de incompatibilidades a que estão sujeitos os membros do Governo (lei 52/2019), podendo mesmo enfrentar pena de demissão obrigatória. O ministro deterá 1 por cento do capital da empresa mas, em conjunto com a sua família (pai, mãe e irmã) essa percentagem soma 50 por cento. E a lei diz que "as empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo detenha, por si ou conjuntamente com o seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau e colaterais até ao 2.º grau, uma participação superior a 10 por cento" não podem "participar em procedimentos de contratação pública".

O Governo falou a duas vozes - embora em sintonia. A primeira foi através do próprio gabinete do ministro Pedro Nuno Santos.

Numa nota enviada à Lusa, foi invocado um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República pedido pelo Governo em 2019. Esse parecer terá concluído pela inexistência de incompatibilidades neste caso. E isso prender-se-á com o facto de o contrato da Tecmacal ter sido feito com uma entidade estatal não tutelada pelo ministro.

"Importa mencionar que nos casos em que as participações sociais não sejam detidas pelo próprio titular, apenas devem relevar quando se referem a concursos que foram abertos ou correm os seus trâmites sob a direção, superintendência ou tutela de mérito do órgão do Estado em que o titular de cargo político exerce um cargo, o que não é o caso do Centro de Formação Profissional da Indústria do Calçado, ficando desde logo prejudicada qualquer questão de incompatibilidade associada às perguntas suscitadas", sublinhou o ministério, na tal nota. Considerando ainda que "ao proibir a participação em todos os concursos públicos, por empresas detidas por familiares dos titulares de cargos políticos, atentaria contra a liberdade de iniciativa económica privada de forma desproporcional, o que, em última análise, implicaria a sua inconstitucionalidade - por violação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa".

Citaçãocitacao"Tal impedimento apenas se verifica quanto aos procedimentos relativos a contratos públicos abertos ou que corram os seus trâmites sob a direção, superintendência ou tutela de mérito do órgão do Estado em que o titular de cargo político exerce funções (grosso modo, no âmbito do respetivo Ministério)."

Ontem à tarde, surgiu novo "nota à comunicação social", desta vez emitida pelo gabinete da ministra de Estado e da Presidência do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva.

Nessa nota - onde o caso específico de Pedro Nuno Santos não é referido - foram elencadas as condições em que os membros do Governo estão impedidos - ou não - de participar em atos de contratação pública: Não podem participar individualmente nesses atos; nem o podem "sociedades comerciais por si detidas em percentagem superior a 10 por cento ou cujo capital social por si detido seja superior a 50 mil euros"; sendo o mesmo impedimento "alargado às sociedades comerciais cujo capital social seja detido, acima daqueles limites, pelo seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau (pais, avós, filhos, netos, etc.) e colaterais até ao 2.º grau (irmãos)".

A nota invoca, porém, o tal parecer da PGR que, "já em 19 de setembro de 2019 [...] tinha esclarecido que tal impedimento apenas se verifica quanto aos procedimentos relativos a contratos públicos abertos ou que corram os seus trâmites sob a direção, superintendência ou tutela de mérito do órgão do Estado em que o titular de cargo político exerce funções (grosso modo, no âmbito do respetivo Ministério)". E conclui que "este aspeto, central para a compreensão dos deveres a que estão sujeitos os membros do Governo e as limitações à liberdade de iniciativa económica dos seus familiares - tem sido, apesar de profusamente conhecido e transmitido pela comunicação social em 2019, lamentavelmente omitido nas notícias produzidas a este respeito".

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