Bacelar Gouveia: Constituição está a ser menos privilegiada
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia disse hoje à agência Lusa, no Porto, que a Constituição está a ser colocada "num lugar menos privilegiado do que aquilo que merece", devido à prioridade dada ao memorando da "troika".
"Julgo que há um deficit de discussão parlamentar e pública sobre as implicações do memorando da 'troika' em matéria constitucional e em certas matérias centrais na organização do Estado. Julgo que isso tem contribuído para colocar a Constituição num lugar menos privilegiado do que aquilo que ela merece", afirmou.
À margem de uma conferência na Universidade Lusíada sobre "A centralidade do direito constitucional", Bacelar Gouveia defendeu que "a Constituição de um país é sempre o seu bilhete de identidade, e tudo o que seja desfigurar ou fazer apagar esse bilhete de identidade é também fazer apagar a importância desse país".
"Neste momento há uma omissão de estratégia constitucional, porque vemos as autoridades a aprovarem um conjunto de diplomas tendo como fundamento uma imposição de natureza financeira, em particular através do memorando da 'troika', mas, que eu saiba, o memorando da 'troika' nunca foi aprovado pela Assembleia da República", realçou.
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Para Bacelar Gouveia, "era importante fazer no Parlamento uma discussão mais ampla sobre as implicações que o memorando da 'troika' tem na estrutura do Estado e na própria Constituição".
"Compreendo que há um conjunto de urgências de natureza financeira, que não podem esperar por um debate mais lento e mais substancial, mas julgo que neste momento os dois caminhos poderiam ser percorridos paralelamente", afirmou.
O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa defendeu que a aprovação de medidas de emergência pode ser acompanhada de "uma ampla discussão constitucional, até para saber em que medida o memorando da 'troika' implica uma reconfiguração do próprio Estado".
"E não vejo os partidos preocupados com isso. Vejo apenas algumas preocupações pontuais", disse, sublinhando que, da sua parte, tudo fará para "minorar esse deficit de discussão constitucional".
Para Bacelar Gouveia, é importante que o Parlamento retome o debate sobre a revisão constitucional interrompido com a queda do anterior governo.
"Não gostaria que as grandes decisões fossem tomadas apenas com o argumento económico-financeiro e sem respeitarmos as exigências de um debate público, democrático, aberto, plural e também parlamentar", afirmou.