Política
01 julho 2022 às 21h31

Montenegro diz que autoridade de Costa pode "estar ferida de morte", mas admite negociar aeroporto

No discurso de arranque do 40.º Congresso do PSD, o líder eleito do partido usou o caso do despacho revogado do novo aeroporto de Lisboa para acusar o primeiro-ministro de ser "fraco" com um ministro que o "traiu". Admitiu negociar a localização do aeroporto, mas vai impor condições.

No Pavilhão Rosa Mota, no Porto, esta sexta-feira, e num discurso invulgarmente longo para o arranque de um congresso, o 40.º onde a sua liderança será legitimada, Luís Montenegro apontou ao caso que envolveu o ministro Pedro Nuno Santos e o despacho revogado pelo primeiro-ministro para atacar de forma violenta António Costa, com vários desafios pelo meio. "Acho que Pedro Nuno Santos finalmente conseguiu pôr as pernas a tremer a alguém, ao primeiro-ministro. Não há explicação para continuar no Governo", disse, sob palmas dos delegados.

Os adjetivos não lhe faltaram para qualificar a crise no governo, que classificou de "mais inusitada, de mais estranha e de mais mal explicada briga entre um primeiro-ministro e um ministro de toda a história democrática".

E continuou: "Já não há dúvidas da leviandade e infantilização que este processo trouxe ao Governo e às instituições democráticas." Acusou António Costa de ser "complacente, fraco e inconsequente com o ministro que terá traído a sua posição assumida publicamente".

O novo presidente do PSD recordou o caso de João Soares e da ameaça de "bofetada" (em 2016) que levou à demissão do membro do governo: "Há uns anos houve um ministro que foi despedido por este primeiro-ministro porque tinha feito um comentário numa rede social", lembrou. E que Costa frisou, nessa altura, que todos os membros do Governo também o são numa mesa de café. "É válido para a mesa do café, mas não para o Diário da República", atirou o novo líder do PSD. Caso é "sério e estranho" e "está em causa dignidade do Governo e dos membros". Até porque, "ninguém acredita que foi um erro de comunicação". Considerou ainda que a "autoridade de Costa pode estar ferida de morte".

Já antes tinha colocado um rol de perguntas ao primeiro-ministro, em particular se "tinha ou não conhecimento do conteúdo do despacho?". Porque, relembrou, era completo nos seus termos e dizia respeito a uma obra estrutural para o país. A que se seguiu a de saber o que Costa irá fazer com o concurso público de avaliação de impacto ambiental que tinha acordado com o PSD. "O que vai fazer com o concurso público que já tinha adjudicação? Com a revogação do despacho o concurso tem que ir até ao fim", disse e garantiu que "As decisões de Rui Rio são as minhas decisões e as decisões do PSD".

Advertiu ainda o líder do governo - que se tinha comprometido a consensualizar a decisão sobre a localização do novo aeroporto com o PS e que voltou a reiterar na revogação do despacho do ministro Pedro Nuno Santos - que "o PSD não será muleta do Governo". Mas o partido "sabe e reconhece que país e Lisboa precisam de reforçar capacidade aeroportuária e suprir insuficiências que existem e prejudicam interesse nacional."

O PSD "não trata este tema com ligeireza", disse. "Transmitirei pessoalmente e em primeiro lugar ao primeiro-ministro a opinião do PSD sobre este assunto, bem como a metodologia e condições que os novos órgãos definam como requisitos para um eventual diálogo", acrescentou, frisando que o PSD não aceita "qualquer chantagem política ou institucional, sobre o timing ou sobre o conteúdo".

Os ataques a António Costa ocuparam uma boa fatia do discurso do novo líder do PSD, que será legitimado no domingo depois de ser aprovada a sua moção de estratégia e os órgãos do partido. Luís Montenegro acusou o Governo de já andar ""desnorteado e desfocado do essencial" mesmo antes desta crise no Executivo. Foi direto à questão da subida de preços e da inflação, agravadas pela guerra da Ucrânia, para afirmar que o Executivo de António Costa "não tem coragem de ter um programa de emergência social".

As pessoas, disse, "estão a sofrer". "O que é que o Governo diz? O que está a fazer para ajudar aqueles que não têm meios de pagar as contas? Não responde, assobia para o ar", assegurou e prometeu que no discurso final do congresso, no domingo, terá proposta neste sentido. Frisou ainda que o Governo está a "ganhar dinheiro" devido ao aumento da receita fiscal com a subida de preços e, por isso, "tem obrigação moral" de ajudar quem precisa.

Dos preços saltou para os problemas da Saúde, que considerou estarem "intimamente ligados ao complexo ideológico do PS".

"Mal entrou em funções o governo do PS e de António Costa acabaram os protocolos que estavam na forja para que as Misericórdias pudessem gerir equipamentos de proximidade, muitas dessas unidades hoje ou estão fechadas ou à míngua e não prestam o serviço necessário às populações", afirmou.

Antes de chegar aos problemas concretos dos portugueses, Luís Montenegro já tinha usado as críticas ao Governo para "abrir os olhos" ao PSD. "Focadissimo no futuro", recordou que o PSD governou fugazmente nos últimos anos para suprir, primeiro o pântano de Guterres, depois a bancarrota de José Sócrates e "agora o empobrecimento" do país. E encontrou nestes três ciclos "um totalista", que é António Costa. Numa alusão à passagem do primeiro-ministro pelos outros dois governos.

Advertindo que não estava a fazer nenhuma crítica a ninguém - isto porque a vice-presidente de Rui Rio Isabel Meireles ter atribuído as culpas dos maus resultados do PSD aos portugueses -, Montenegro sublinhou: "Como é que um partido com este pecúlio continua a ganhar eleições em Portugal? Os eleitores tomaram a decisão que acharam melhor. Se PSD não perceber isto, eleitores vão continuar sem perceber o PSD."

Ao PSD, a quem apelou à união, prometeu construir uma alternativa. Mantendo o PSD fiel à sua matriz, que não se confunde com os dois partidos a que fez alusão, o PS e a Iniciativa Liberal: "Acreditamos na iniciativa privada como motor de criação de riqueza e por isso não somos socialistas. Defendemos a igualdade social, justiça e segurança e por isso não somos excessivamente liberais". Logo no arranque do discurso tinha feito apelo ao fundador do partido Francisco Sá Carneiro e ao modo como colocou, em 1978, ao partido o desafio de se afirmar como um projeto político diferenciador do PS, que deu como fruto uma maioria absoluta da Aliança Democrática um ano depois.

Do reforma que quer fazer interna no partido, e da abertura que o PSD terá de fazer à sociedade, ele próprio dará o corpo às balas por isso. Anunciou que a partir de setembro estará uma semana por mês em todos os distritos do país e nas regiões autónomas. O discurso foi aplaudido com vigor em vários momentos.

O líder cessante antecedeu Montenegro no 40.º Congresso e também ele foi bastante aplaudido. Naquele que foi o seu último discurso na presidência do partido, Rui Rio justificou o seu trabalho em prol da mudança estrutural do país. "Não foi por mero acaso que propusemos a revisão da Constituição, a alteração do sistema eleitoral, a descentralização, a mencionada reforma da Justiça ou que procuramos alterar estruturalmente a vida interna do nosso próprio partido", disse.

Rui Rio também dirigiu criticas ao Governo, a quem acusou de não ter preparado o país para a crise que o mundo vive. "Com um endividamento elevadíssimo ao nível do Estado, das empresas e das famílias, o país tem agora de enfrentar uma significativa subida das taxas de juro com evidente impacto ao nível da sua atividade económica e do seu equilíbrio social".

Desfiou vários estrangulamentos nacionais, em que destacou a saúde e os serviços públicos, e disparou para as opções de António Costa. "Estar na política de forma séria não é contratar técnicos de marketing a peso de ouro. Essa forma superficial de estar na vida pública agravada com uma excessiva obediência à lógica mediática, que tem conduzido o país ao imobilismo reformista", garantiu.