Política
23 junho 2021 às 21h54

Envio de dados para embaixadas. Gabinete de Medina agravou os procedimentos em 2018

ATUALIZADA. Embaixada russa foi contactada 27 vezes. Auditoria interna conclui que Gabinete de Apoio à Presidência mudou as regras e passou a enviar para as embaixadas visadas dados mesmo quando os protestos não ocorriam junto das instalações da Câmara.

DN e Lusa

Uma auditoria interna da Câmara Municipal de Lisboa sobre o envio de dados de manifestantes para embaixadas revela que o Gabinete de Apoio à Presidência tinha conhecimento desse procedimento desde 2018 e que, desde essa altura, foi imposta uma mudança de procedimentos: não apenas se continuava a informar as embaixadas de manifestações realizadas nas imediações da CML, mas também se passaram a enviar elementos dos manifestantes para as representações visadas pelos protestos mesmo quando estes realizavam noutro local.

"O núcleo do Gabinete de Apoio ao Presidente passou a adotar a prática de remeter o aviso não só para outras entidades de acordo com a localização da realização da manifestação, mas também para as entidades visadas, designadamente as embaixadas", lê-se no documento de 47 páginas citado esta noite pela TSF, que avançou com a notícia.

Nesta auditoria preliminar, pedida agora pelo presidente da Câmara, Fernando Medina, na sequência do escândalo tornado público pelo Expresso e pelo Observador do envio de dados de manifestantes anti-Putin para a embaixada da Rússia, conclui-se ainda que para os casos das manifestações nunca não foi posto em prática o Regulamento Geral de Proteção de Dados, que entrava em vigor nesta altura.

"No âmbito dos levantamentos feitos por esta Equipa de Projeto e pelos vários pivôs identificados nos vários serviços, nomeadamente no âmbito do levantamento realizado pela Secretaria-Geral da Câmara Municipal de Lisboa, o procedimento respeitante ao tratamento de avisos de manifestação não foi contemplado no Privacy Impact Acessment", pode ler-se no documento consultado pela TSF.

Isto apesar de ter sido criada na CML uma equipa de missão "especificamente para a acompanhar a implementação" do processo de adaptação às novas regras. Só que deixaram de fora as manifestações.

Dificuldades na interpretação pelos serviços de um protocolo interno levaram a Câmara de Lisboa a enviar, desde 2012, informações sobre os promotores de manifestações à embaixada russa, em 27 ocasiões, de acordo com o mesmo relatório.

No documento é possível verificar que à embaixada russa foram comunicadas 27 vezes informações sobre organizadores de manifestações. Já as embaixadas israelita e angolana receberam cada uma informações detalhadas sobre os promotores de protestos em nove ocasiões.

O relatório explicita que em 2012, na sequência da publicação da legislação referente à tramitação de avisos de manifestações, a Câmara de Lisboa elaborou um protocolo para o tratamento destes dados, no qual está patente a necessidade de o município comunicar às embaixadas a ocorrência de manifestações.

Contudo, o "protocolo em questão não é claro relativamente ao teor do que deveria ser comunicado as embaixadas, embora tenha sido interpretado pelos serviços no sentido de que seriam os avisos propriamente ditos, na íntegra, que deveriam ser remetidos", elucida o documento preliminar.

À semelhança daquilo que já tinha sido explicitado pelo presidente do município, o socialista Fernando Medina, em conferência de imprensa, em 18 de junho, o despacho publicado em 2013 pelo então autarca da capital, António Costa, determinou a comunicação "de imediato" aos promotores que a Câmara de Lisboa apenas facultaria os dados sobre as manifestações ao Ministério da Administração Interna (MAI) e à PSP.

O despacho obrigou à alteração dos protocolos camarários nesta matéria, já que estava "implícita a supressão de envio de um conjunto de informações e comunicações, mormente a embaixadas", mas, a partir daí, apenas houve "uma alteração das minutas que eram utilizadas nas comunicações com as várias entidades, tendo-se mantido inalterado o elenco de entidades às quais os avisos de manifestação eram comunicados".

Ou seja, "não foram seguidas as limitações quanto às entidades a quem deveriam ser dirigidos os emails, mantendo-se a tradição de remeter os avisos, na íntegra, para outras entidades sem intervenção necessária no processo, como as embaixadas".

A Câmara de Lisboa ainda não conseguiu averiguar as razões para a persistência desta prática apesar das alterações introduzidas em 2013, mas acrescentou que a prática se manteve "em vigor de forma relativamente uniforme, e foi aplicada aos vários pedidos de manifestação".

Em algumas circunstâncias verificou-se que a comunicação sobre as manifestações "foi não só remetida para as embaixadas junto às quais se iria realizar a manifestação, mas também, e essencialmente a partir de 2018, àquelas relacionadas com o objeto da mesma".

O "Gabinete de Apoio ao Presidente", referido 11 vezes ao longo do relatório preliminar mas que fonte da autarquia garante ao DN tratar-se de "Gabinete de Apoio à Presidência", é apontado como a entidade responsável no órgão da autarquia pela tramitação destes processos.

Na sequência desta polémica, Fernando Medina vai ser esta quinta-feira ouvido, às 18:00, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garanti

Notícia atualizada às 2:50