Política
31 março 2023 às 22h02

"Cedência" ou "abertura"? PS não trava debate sobre crime de violação

Não caiu, por agora, nenhuma das propostas que defendem que a violação de adultos seja crime público. Indicação do governo para "amplo debate" abriu portas à "tolerância".

Artur Cassiano

"Tolerância", "sensibilidade", "apenas protocolo parlamentar", "cedência" ou "abertura"? A certeza é que a "indicação" [vinda do governo] de que "não se ignorasse a petição com 107 mil pessoas [permitindo que os projetos de BE, IL, PAN e Chega descessem à discussão na especialidade sem votação] e que depois fosse aberto um amplo debate público sobre a matéria" vingou.

Na votação desta sexta-feira, o Projeto de Lei socialista que alarga o prazo para a denúncia do crime de violação de seis meses para um ano e reforça o apoio judiciário, foi votado por "unanimidade" - expressão que Cláudia Santos, deputada do PS, sublinha - permitindo, assim, que o "protocolo parlamentar" funcionasse: todos os requerimentos apresentados para que as restantes propostas "descessem" à Comissão de Assuntos Constitucionais mereceram aprovação.

"A tolerância", que na quinta-feira tinha sido pedida, pode agora, defende Joana Mortágua, deputada do BE, que se "trabalhe num projeto que responda melhor às críticas que foram feitas [por PS e PSD sobre os argumentos para converter o crime de violação em crime público] e possa, eventualmente, dentro da consagração de crime público construir um conjunto de garantias em relação à vítima".

Ou seja: "Eventualmente um crime público mais mitigado, como a APAV propõe, mas sobretudo que seja um projeto consensual entre os partidos que propõem o crime público e que possa haver um único projeto submetido a votos. Nós levaremos sempre a questão do crime público a votos".

A deputada bloquista defende a necessidade de serem ouvidos "especialistas, penalistas, pessoas que estão no terreno que nos ajudem a construir um projeto equilibrado dentro do âmbito do crime público" porque, pode até acontecer, espera Joana Mortágua, que "quem é absolutamente contra o crime público possa ainda ter tempo de perceber que as preocupações que levantam estão respondidas no nosso projeto".

Cláudia Santos, deputada do PS, remete para a direção da bancada parlamentar quaisquer questões sobre o que "se vai seguir", mas assegura que a questão do crime público, "tal como o pedem", "não merece a concordância do PS".

Fonte socialista, contactada pelo DN, acredita que a "cedência" pode permitir uma nova construção jurídica que garanta a "todas as mulheres mais segurança e que os violadores sejam punidos evitando-se, assim, novas violações. É que falamos de um crime reiterado que conta com o silêncio das vítimas".

"Espero, esperamos que haja sensibilidade no PS para melhorar a proteção das vítimas para além do que o nosso projeto prevê", acentua outra fonte socialista.

Entre as várias "ideias", partilhadas por vários deputados, e de modo a conseguir "consensos", surge a "possibilidade, diria mesmo a necessidade, de atribuir às mulheres violadas, logo após a queixa, um estatuto reforçado de vítima"; "permitir que a vítima possa fazer os exames, as perícias médico-legais, logo a seguir à violação e que a prova fique preservada até que a mulher decida apresentar queixa"; e também, por exemplo, tornar obrigatória a atuação do MP para "todas as situações de violação que aparecem nas redes sociais".

Paula Cardoso, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, apesar de considerar que "as posições estão um bocadinho extremas", e de recusar o crime público - "é claríssimo para o PSD" -, admite que "se houver uma solução que não ponha em causa a vítima, que não a instrumentalize, que adote meios de apoio, confortáveis, que garantam a segurança social e psicológica da vítima" e se "for curativo e não punitivo para vítima", nesse caso, o PSD "pode ponderar".

Garantido é que, sublinha a deputada, "ainda não nos conseguiram convencer de que é melhor mudar, passar a crime público, do que manter como está: semipúblico. Nem ao PSD, nem ao PS e nem ao PCP".

Paula Cardoso deixa claro que as soluções "mitigadas" que foram apresentadas até agora são "mais ignóbeis" do que a "pessoa ser obrigada a fazer queixa: a mulher não pode ser obrigada a ser exposta num tribunal para dizer que não quer um processo".

Francisca Magalhães Barros, primeira subscritora da petição que reuniu quase 107 mil assinaturas - Manuela Eanes, Dulce Rocha, Isabel Aguiar Branco, Garcia Pereira, Rui Pereira, Joana Mortágua, Paula Teixeira da Cruz, Teresa Morais, Teresa Leal Coelho, Maria Castello Branco, Catarina Furtado, Nuno Markl, Carolina Deslandes, Clara Sottomayor, Teresa Féria, Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo são nomes que integram os que defendem o crime público - espera que a decisão desta sexta-feira "não seja apenas uma questão de boa vontade".

"Para todos falo, em meu nome e em nome de 107 mil pessoas, mas principalmente em sentido de apelo em nome de tantas vítimas que assinaram: continuo sem perceber como é que podemos ser tão anacrónicos. Só Portugal e São Marino, no Conselho da Europa, não converteram a violação em crime público, ao contrário de Espanha, França, Reino Unido", afirma.

A pintora e ativista deixa uma questão: "Estão-me a dizer que uma mulher que é agredida e violada em contexto de violência doméstica pode ter a nossa ajuda, mas que a que é violada, fora desse contexto, tem de passar por isto sozinha? É assustador."