PS vai reabrir PMA para permitir inseminação pós-morte
Socialistas prometem retomar uma proposta antiga que permitia a inseminação pós-morte. Isto numa altura em que há uma petição e uma iniciativa legislativa de cidadãos a defender esta possibilidade, lançadas por uma mulher que quer engravidar do marido que morreu, mas que está impedida por lei de o fazer.
O PS vai avançar com uma alteração à lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA) de forma a permitir a inseminação pós morte - ou seja, que o processo de inseminação artificial iniciado por um casal possa prosseguir, ainda que no decorrer do processo ocorra a morte do cônjuge.
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O caso não é uma abstração. Está colocado neste momento por uma mulher que pretende engravidar do marido que morreu, mas que não o pode fazer dado que a lei não o permite. Ângela Ferreira lançou uma petição pública para motivar uma discussão sobre o tema, que recolheu 98 500 assinaturas e que já foi entregue no Parlamento no passado sábado. Já esta semana lançou uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos - uma figura legal que permite aos cidadãos apresentar projetos legislativos à Assembleia da República -, que entretanto já reuniu as 20 mil assinaturas necessárias para ser admitida na Assembleia da República.
Mas o PS garante também que vai avançar com uma proposta de alteração à lei, de forma a permitir a inseminação pós-morte. Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada parlamentar socialista, lembra que esta possibilidade estava prevista no projeto de lei apresentado por um grupo de deputados socialistas em 2012 (o projeto foi chumbado) e novamente em 2015 (o projeto foi chumbado novamente). No mesmo ano, mas já com outra legislatura, o documento voltou a ser reapresentado - tem, aliás, como primeiro subscritor o atual primeiro-ministro, António Costa, quando este assumiu o lugar de deputado na breve vigência do governo de Passos Coelho - e viria a ser aprovado em 2016.
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"A presente iniciativa admite um pequeno alargamento da possibilidade de inseminação post mortem, sempre que tal corresponda a um projeto parental previamente consentido pelo dador", dizia a nota explicativa do projeto de lei, que depois estabelecia que "é lícita a inseminação com sémen da pessoa falecida ou a transferência post mortem de embrião para permitir a realização de um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento, nomeadamente aquele manifestado no documento em que é prestado o consentimento informado".
Mas o artigo respeitante à possibilidade de inseminação pós-morte acabou por cair durante a discussão na especialidade (artigo a artigo) do projeto de lei, contando apenas com os votos favoráveis do PS e do Bloco de Esquerda.
É esta formulação que o PS se propõe agora recuperar. "Este caso veio demonstrar que tínhamos razão. Estamos a analisar a retoma do artigo 22, a melhor forma de o fazer", diz Pedro Delgado Alves, sublinhando que este é "um assunto pacífico no PS" e que será novamente posto em cima da mesa. "É uma situação pontual, mas que pode fazer a diferença na vida das pessoas", conclui.
O atual quadro legal permite a "transferência post mortem de embrião para permitir a realização de um projecto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai, decorrido que seja o prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão". Mas o mesmo não acontece quando ainda não foi efetuado o ato de inseminação. "Após a morte do marido ou do homem com quem vivia em união de facto, não é lícito à mulher ser inseminada com sémen do falecido, ainda que este haja consentido no ato de inseminação", diz a lei. Que acrescenta ainda que "o sémen que, com fundado receio de futura esterilidade, seja recolhido para fins de inseminação do cônjuge ou da mulher com quem o homem viva em união de facto é destruído se aquele vier a falecer durante o período estabelecido para a conservação do sémen".
Uma medida "contraditória e desajustada"
Na petição que já deu entrada no Parlamento é referido que, tendo havido alterações à Lei nº 32/2006 recentemente, se "afigura de extrema crueldade e descriminação que uma mulher que inicie um processo de PMA durante a doença do seu marido ou companheiro, tendo criopreservado o seu sémen e com consentimento prévio assinado, não possa dar continuidade ao desejo do casal e a um projeto de vida ponderado cuidadosamente e conjuntamente".
"Esta mulher, poderá no entanto, recorrer a material genético de dador desconhecido, que pode estar vivo ou morto, porque se por um lado, não existe qualquer mecanismo de controle para aferir da sobrevida daquela pessoa, por outro lado todos os dados referentes a dadores são confidenciais, sendo assim esta medida contraditória e desajustada", acrescenta o documento.
À agência Lusa, Ângela Ferreira, de 32 anos, a residir no Porto, contou que quando o marido morreu vítima de cancro, a 25 de março de 2019, iniciou "toda uma luta" - que está "longe de ter terminado". A mulher assume que "vai até onde tiver de ir e faz o que tiver de fazer" para cumprir "o último desejo" do marido, desejo é também o seu.
Antes de morrer, o casal estava em processo de fertilização devido aos "agressivos" tratamentos contra o cancro, o que levou o marido a fazer a recolha e preservação de sémen no Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, onde estava a ser acompanhado. Ângela Ferreira explicou que, antes de o marido morrer, deixou um documento autorizando-a a continuar o processo naquela instituição ou noutra que lho permita fazer.
"O Hugo [marido] fez a preservação do sémen antes dos tratamentos porque queria ser pai. Não autorizou a doação para o banco público, fez preservação apenas para uso pessoal", sublinhou, citada pela Lusa.
Mas o processo ficou parado, porque a lei portuguesa não permite a inseminação pós-morte. Ângela Ferreira pretende recorrer a Espanha, que autoriza este processo desde que decorra no ano seguinte à morte do cônjuge, mas o hospital não autoriza o levantamento do sémen dado que a lei não o prevê. "O problema é que só tenho até dia 25 de março para fazer o procedimento em Espanha, porque faz nesse dia um ano que o Hugo morreu", sublinha.
Entretanto, o Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, anunciou ontem que irá " conservar o material biológico em causa, não exercendo a faculdade legal de proceder à respetiva destruição". A unidade hospitalar disse também estar a aguardar a pronúncia das entidades públicas detentoras de poder administrativo e político sobre a questão.