Inseminação pós morte avança e vai aplicar-se a casos já existentes
PS já entregou proposta para alterar a lei da procriação medicamente assistida. Bloco de Esquerda concorda com a medida e admite avançar com uma iniciativa própria.
O PS entregou na Assembleia da República o projeto de lei que abre caminho à inseminação pós morte, determinando que a nova lei se aplica aos casos que preenchiam os requisitos antes da entrada em vigor do novo diploma.
Relacionados
O texto entregue pelos socialistas estabelece que "é lícita a inseminação com sémen da pessoa falecida ou a transferência post mortem de embrião para permitir a realização de um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai, nomeadamente aquele manifestado no documento em que é prestado o consentimento informado".
Uma norma que é aplicável aos casos em que "se verificou a existência de um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai", ainda que isso tenha acontecido "antes da entrada em vigor" deste diploma.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Com esta disposição, o projeto de lei - que deverá ser aprovado no Parlamento, dado que PS e BE são a favor desta alteração - vai aplicar-se ao caso de Ângela Ferreira, uma mulher que quer engravidar do marido que morreu, mas está impedida por lei de o fazer. No Parlamento está já uma petição a defender uma alteração à lei que permita a inseminação post mortem, que recolheu 98500 assinaturas, bem como uma iniciativa legislativa de cidadãos que vai no mesmo sentido.
No texto que antecede o projeto de lei, os socialistas referem expressamente este caso, apontando-o como uma "demonstração da urgência de alterar a lei para prevenir que a mesma produza resultados desajustados e injustos". Os socialistas afirmam que o projeto de lei "não pretende desenhar qualquer regime singular ou de exceção", mas resolver aquilo que é um manifesto problema da lei, com tradução visível neste caso concreto. "Manter em vigor a proibição constante da lei não faz atender a nenhum interesse identificável de ordem pública, acabando tão-somente por impedir a concretização de projetos parentais expressamente desejados, precisamente no contexto para o qual as técnicas de procriação medicamente assistida podem oferecer garantias adicionais aos cidadãos", referem os socialistas.
"As instituições da República devem mostrar-se atentas aos problemas reais, atuais e futuros, que o exercício da função legislativa pode superar, melhorando a vida dos cidadãos e permitindo a realização plena dos seus direitos fundamentais, sempre que tal se afigure necessário", acrescenta o PS.
Uma imposição "incongruente" e "injustificada"
A lei da procriação medicamente assistida foi alvo de cinco alterações desde 2016. No preâmbulo do projeto de lei o PS considera que "ainda que seja por princípio desejável a estabilidade da legislação em vigor em matérias estruturantes, tal desiderato não deve inibir o legislador de intervir quando se depara com insuficiências".
Atualmente, a lei estabelece que é "lícita a transferência post mortem de embrião para permitir a realização de um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai". Mas o mesmo não acontece se ainda não tiver ocorrido a inseminação.
"A inseminação com sémen do marido ou unido de facto não é permitida, mesmo que exista consentimento e clara indicação de que o mesmo se destina a um projeto parental comum, inviabilizando a concretização da vontade de ambas as partes apenas pelo facto de o procedimento de procriação medicamente assistida se encontrar numa fase distinta, anterior", assinala o texto dos socialistas, que aponta um "desequilíbrio injustificado" na lei, que é também "incongruente". Isto porque permite a inseminação com recurso a um dador anónimo - sem que se saiba se este está vivo no momento em que o procedimento é iniciado -, mas não a autoriza no caso de o pai ter falecido, "quando esta era consciente, expressamente consentida e correspondente a uma vontade comum de ambos os futuros progenitores".
O PS lembra também que já apresentou por três vezes a proposta para permitir a inseminação pós morte (no âmbito das alterações à PMA), mas este artigo nunca passou. Da última vez, em 2015, o projeto de lei dos socialistas que alterava a lei da procriação medicamente assistida foi aprovado, mas este ponto em específico acabaria chumbado na votação na especialidade (artigo a artigo), contando com os votos favoráveis apenas do PS e do Bloco de Esquerda.
BE concorda e admite avançar com iniciativa própria
Como já aconteceu na votação de 2015, o Bloco de Esquerda mostra-se favorável a esta alteração legal da lei da procriação medicamente assistida. Moisés Ferreira, deputado responsável pela pasta da Saúde, diz ao DN que o partido acompanha a necessidade de alteração da lei e admite, aliás, apresentar uma iniciativa legislativa própria, uma possibilidade que está ainda em equação.
O voto das bancadas do PS e do Bloco de Esquerda será suficiente para fazer aprovar a alteração à lei, dado que os dois partidos formam maioria na Assembleia da República.