Diretor do SIS: "O quadro legislativo é uma vulnerabilidade securitária"
Neiva da Cruz alertou esta terça-feira para "persistência e a complexidade" da ameaça terrorista, apesar da derrota do Estado Islâmico e da recente "eliminação" do líder Abu Bakr al-Bagdadi.
O Diretor-Geral dos Serviços de Informações de Segurança (SIS) entende que, em matéria de prevenção e combate ao terrorismo, a legislação que enquadra as capacidades das secretas portuguesas é uma "vulnerabilidade securitária".
Neiva da Cruz falou esta tarde durante um almoço organizado pelo Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT e pela revista "Segurança e Defesa", onde foi convidado de honra, juntamente com Casimiro Morgado, o seu ex-homólogo do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED).
O chefe das secretas destacou que, apesar da recente derrota territorial do Estado Islâmico e da "eliminação física" do líder Abu Bakr al-Bagdadi, o terrorismo "ainda tem um impacto relevante no nosso presente e voltará a ser - de novo - central no futuro."
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Assinalou Neiva da Cruz que "basta lembrar da situação volátil e das consequências da recente atividade militar da Turquia no nordeste da Síria e o impacto sobre os campos de Eyn Issa, na Síria, que estavam controlados pelas forças curdas." As consequências, salientou, "estão ainda em avaliação, mas já se admite que poderemos assistir à reconstituição da organização terrorista Estado Islâmico".
"Um dia o nosso melhor pode não ser suficiente"
Por isso mesmo, continuou este alto dirigente dos serviços de informações, "a prevenção e combate do terrorismo, ao nível europeu, têm sido indissociáveis de um reforço dos recursos humanos, da estrutura legal de meios e capacidades dos serviços de informações".
Portugal continua a ser um caso singular no contexto europeu: o quadro legislativo é, em si, uma vulnerabilidade securitária
O que, no entanto, não tem acontecido no nosso país. "Portugal continua a ser um caso singular no contexto europeu: o quadro legislativo é, em si, uma vulnerabilidade securitária, uma vez que nega aos serviços de informações o exercício de uma parte relevante dos instrumentos da sua acção", afiançou Neiva da Cruz.
O diretor-geral do SIS não quis indicar a que "vulnerabilidades" se referia, mas no setor é conhecido o 'embaraço' das secretas portuguesas em relação aos seus congéneres quanto às limitações de acesso a escutas telefónicas ou mesmos aos dados das comunicações - principalmente em matéria de prevenção de terrorismo.
Ainda recentemente, recorde-se, o Tribunal Constitucional chumbou parcialmente a legislação aprovada na Assembleia da República que autorizava os serviços de informações a aceder aos chamados metadados das comunicações telefónicas e da internet.
"Fazemos, a cada dia, o melhor que podemos e sabemos, com profissionalismo e dedicação e com os instrumentos legais que a Constituição permite. Confiamos no nosso trabalho, e nas competências especificas desenvolvidas em cada fase do ciclo de informações, mas temos sempre presente que mesmo o nosso melhor - o melhor de todos os que têm a missão específica de proteger o país e os cidadãos - pode, um dia, de forma imprevista, não ser suficiente", asseverou.
Crianças do Califado: o próximo grande desafio coletivo
Na sua intervenção, que será publicada na Revista Segurança e Defesa, Neiva da Cruz voltou a um assunto que tem sido alvo da sua preocupação há, pelo menos dois anos (publicamente): "o problema de jihadistas e familiares que desejam regressar à Europa" - enfrentado por tantos países europeus, incluindo Portugal.
"Não podemos também esquecer que vários cidadãos portugueses morreram a combater pela organização terrorista Estado Islâmico e que, de momento, existem outros portugueses ou com direito à nacionalidade portuguesa - homens, mulheres e crianças - detidos nas prisões e campos na Siria", sublinhou.
independentemente da decisão política que venha a ser tomada sobre esta matéria, este será porventura, o próximo grande desafio colectivo
Neiva da Cruz entende que "independentemente da decisão política que venha a ser tomada sobre esta matéria, este será porventura, o próximo grande desafio coletivo, o qual exigirá uma estreita articulação entre Forças e Serviços de Segurança, autoridades judiciárias e outras entidades e organizações do Estado, no sentido de proteger os mais vulneráveis - nomeadamente as crianças - mas, assegurar uma identificação clara do perfil e da ameaça séria colocada por cada um dos adultos e a atribuição das respetivas consequências legais".
O chefe das secretas não esconde a sua apreensão com o drama humanitário relacionado com esta questão: "a tragédia protagonizada pelas 'crias' do Califado, os milhares de crianças - onde se contam também crianças portuguesas - agora confinadas aos campos de detenção e privadas dos seus mais elementares direitos confronta e afronta a mais elementar humanidade que existe em cada um de nós".
Mulheres jihadistas e a nova dimensão da ameaça
Separando um pouco as águas, Neiva da Cruz referiu que neste momento as mulheres dos jihadistas representam "uma das dimensões mais relevantes da ameaça futura", isto porque, na sua análise "o seu papel submisso na mundividência jihadista não é sinónimo de vulnerabilidade".
Na verdade, "a lateralidade, relativamente ao seu envolvimento, poderá significar penas de prisão curtas ou mesmo a plena liberdade. E, de momento, é também nos campos de detenção que está a ser forjado o ressurgimento do Estado Islâmico: cada vez mais radicais, também por via do ambiente de privação e necessidade, as mulheres estão a estabelecer a sua própria hierarquia e a desenhar a rede de contactos que transportarão no seu regresso à Europa".
O diretor-geral do SIS reafirmou que "apesar de todas as circunstâncias específicas que desagravam a ameaça concreta em território nacional - e em particular a natureza inclusiva e tolerante da comunidade islâmica nacional, as politicas públicas de integração das comunidades e a não existência da prática do islão radical nem de incitadores salafistas -, o nosso país não é alheio à presença, à ação e à estratégia das organizações terroristas".
Tal como o resto da Europa, Portugal partilha "os mesmos vetores de ameaça e as mesmas incertezas". Revelou que "diariamente" o SIS contribui para "a segurança interna da Europa, através da participação ativa em operações conjuntas ou na recolha e partilha de informações. Mas, também, diariamente recebemos a cooperação e ajuda, no combate às ameaças à segurança interna, dos serviços dos outros 27 Estados da União Europeia, a que se juntam a Suíça e a Noruega".
Depois de a Europa "ter sido atacada no seu coração, entre 7 e 9 de janeiro de 2015, em Paris, no ataque ao Charlie Hebdo e em St. Denis, e do ataque ao Bataclan, em novembro de 2015" os serviços de informações europeus "reforçaram a cooperação" e criaram "um mecanismo, com a presença física e diária de representantes dos serviços, para detetar e identificar potenciais jihadistas, com capacidade de atentar em território europeu".
Neiva da Cruz e Casimiro Morgado (atual diretor do Centro de Inteligência e Situação da União Europeia - INTCEN) foram distinguidos pelo OSCOT com um diploma de "mérito público", tal como outras figuras de relevo para o setor da segurança, justiça e defesa - o diretor da PJ, Luís Neves, o ex-diretor dos Serviços Prisionais Celso Manata, o presidente da Câmara de Cascais Carlos Carreiras, o ex-secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello, entre outros, foram alguns dos presentes homenageados.
"Tratam-se de personalidades que, quer a nível central do Estado, quer a nível local, têm trabalhado pela segurança do país e dos portugueses", justificou António Nunes, o presidente do OSCOT.
As ameaças, segundo as secretas
Além do terrorismo, eis a sistematização do diretor do SIS em relação às principais ameaças à segurança "que estão a ocupar mais espaço na atualidade":
1- A violência gráfica e indiscriminada contra grupos étnicos ou religiosos, mas tendo por base motivações políticas;
2- O impacto das atividades ilícitas do crime organizado e o seu potencial de infiltração e distorção do status quo económico, político e social e que ameaçam a estabilidade das estruturas do Estado de direito democrático;
3- O prejuízo do interesse nacional, seja nas relações externas do Estado português, seja na nossa Economia inovadora, no know how cientifico, na alta qualidade das nossas infraestruturas ou no investimento económico, através da intenção e ação encoberta e maliciosa de Estados que procuram ganhar vantagens competitivas contrárias às nossas, através da espionagem, clássica ou económica;
4- As vulnerabilidades do 5G
5- As vulnerabilidades da ciberameaça, cuja presença não é visível publicamente, mas que, quando ataca, provoca graves danos à soberania nacional e à segurança, e as dificuldades e desafios que a mesma coloca;
6- A ameaça provocada pelo extremismo violento e ideológico, que está a levar ao reforço da capacitação na luta contra esta ameaça extremista em vários serviços europeus;
7- O discurso do ódio online.