Tribunal altera pena e manda para a prisão mulher que burlou idoso em lar
Tinha sido condenada a três anos de pena suspensa por se ter apropriado de quase 130 mil euros do idoso. Relação do Porto critica condescendência, por criar sentimento de que o crime compensa, e agrava pena para quatro anos de prisão efetiva
Uma mulher, ex-funcionária de um lar no Porto, que tinha sido condenada a uma pena suspensa de três anos de prisão por burlar e roubar um idoso de 85 anos em quase 130 mil euros, viu a decisão condenatória ser alterada pelo Tribunal da Relação do Porto: a pena foi agravada para quatro anos de cadeia e passou a ser efetiva. Os juízes dizem que "a sociedade e o ordenamento jurídico não podem ser condescendentes com comportamentos do género", pelo que "só a prisão efetiva é adequada a acautelar as exigências de prevenção que o caso requer".
O homem, residente em Gondomar, começou a ser utente do lar em 2006 após ter sofrido uma queda. Foi lá que encontrou a mulher, hoje com 39 anos, e que era a auxiliar da instituição que lhe passou a prestar cuidados. A funcionária apercebeu-se que o utente era viúvo e tinha posses. Ganhou a sua confiança e acabou a saber que o homem tinha mais de 19 mil euros à ordem no banco, 250 mil euros em certificados de aforro e dinheiro e joias em casa. Passou então a escrever-lhes cartas de amor, criando a ilusão no homem de que era de novo amado.
O objetivo estava definido e foi concretizado. Depois do período no lar, entre 2006 e 2009, acabou a ir viver para casa do homem, em Rio Tinto, Gondomar, onde passou a trabalhar como empregada. A família do idoso não desconfiou. Até 2014, a mulher apoderou-se de cerca de 130 mil euros em dinheiro e bens. Primeiro, sacou-lhe a caderneta bancária e o código pin, fazendo dezenas de levantamentos num total superior a 19 mil euros, entre 2012 e 2013. Depois convenceu o homem a levantar os certificados de aforro na sua totalidade de 250 mil euros. Contudo os CTT só disponibilizaram 100 mil euros, por insuficiência de fundos, e para chegar ao dinheiro restante convenceu o idoso a passar-lhe um cheque de 150 mil euros. Foi aqui que a burla foi detetada. Quando a mulher tentou levantar o cheque, o banco desconfiou de tentativa de apropriação e alertou a família.
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Acabou a "história de amor". Em março de 2014, o homem e a sua família expulsam a mulher de casa e fazem queixa às autoridades. Apurou-se que no período em que prestou serviço em casa do homem apoderou-se de dezenas de objetos em ouro e prata, moedas antigas, relógios e vários outros bens. Quando foram feitas buscas, as autoridades apreenderam mais de 30 mil euros em dinheiro e parte dos bens que tinha furtado ou outros adquiridos com o dinheiro desviado. O idoso faleceu em 2015.
No total ficou provado no julgamento realizado em abril do ano passado que se apropriou de mais de 128 mil euros. O Tribunal de São João Novo condenou-a a devolver este dinheiro mas suspendeu a pena de três anos de prisão pelos crimes de burla qualificada, burla informática e furto qualificado. Na leitura do acórdão, a juíza justificou a suspensão da pena pelo facto de a arguida não ter antecedentes criminais, ter um filho menor e estar integrada socialmente. Mas advertiu a arguida que durante os próximos três anos ia ter um "machado sobre a sua cabeça".
Era uma absolvição em pena suspensa
O Ministério Público recorreu e contestou sobretudo a pena parcelar do crime de burla qualificada aqui aplicada: dois anos e oito meses, apenas oito meses acima do mínimo. Criticando o cúmulo jurídico (três anos) demasiado baixo, o MP classificava a decisão como "absolvição em pena suspensa" e discordava do argumento de integração social: "A sua atual inserção é em tudo análoga / idêntica àquela que a arguida vivia no momento do cometimento dos factos e não constituiu qualquer óbice à sua realização."
Os juízes da Relação concordaram e a agravaram a pena parcelar por burla qualificada para três anos e meio, devido ao comportamento da arguida revelar "um dolo intenso de obter benefícios patrimoniais ilícitos de forma totalmente desapiedada e indiferente às consequências para o proprietário de tais quantias. A ilicitude é elevada, bem como a culpa".
Os juízes desembargadores Paula Guerreiro e Pedro Vaz Pato fizeram um novo cúmulo jurídico com a pena única a ficar nos quatro anos de prisão e efetiva. Consideram que a suspensão pode levar ao sentimento de que o crime compensa. "Atenta a personalidade da arguida, e revelada ao longo do tempo durante o qual decorreram os factos, aliada à circunstância de a mesma continuar a ter a acesso a residências particulares onde presta serviços de limpeza e assistência, como banhos e mudança de fraldas de pessoas acamadas, o que constitui a sua forma de ganhar a vida, não tendo aquela revelado qualquer sinal de que estaria consciente do mal por si causado ao ofendido e aos seus herdeiros, somos de opinião que a suspensão da execução da pena não previne a possibilidade de cometimento de novos factos da mesma natureza dos relatados nos autos, nem desencoraja a prática de crimes desta natureza, podendo até levar ao sentimento de que este tipo de ato será compensatório", justificaram no acórdão datado do final de novembro passado.