Se lei passar, polícias podem dar voz de prisão a quem recusar mostrar telemóvel

Sindicatos das polícias consideram que usar a força não é o melhor caminho e dizem que a situação remete para um "estado policial". No entanto, se houver ordens do Governo, garantem que as vão cumprir.

Se for aprovada pelo Parlamento, a lei que obriga a que uma franja da população (cidadãos em contexto laboral ou equiparado, escolar e académico) tenha a aplicação StayAway Covid instalada nos seus telemóveis terá de definir muito bem os poderes que as polícias terão para fiscalizar o seu cumprimento.

Tornando-se obrigatória, as polícias poderão fazer revistas e, em último caso, dar voz de prisão, caso alguém se recuse a mostrar o seu telemóvel.

Sindicatos da PSP e da GNR dizem perceber a preocupação do Governo em encontrar meios para controlar a pandemia numa altura em que os casos da doença no país disparam, mas salientam que esta "não foi uma boa ideia" uma vez que não vai ajudar a resolver um problema, mas sim criar outros.

Ao DN, a Direção Nacional da PSP diz que, para já, não irá tomar uma posição em relação à proposta de lei que lhes põe [aos agentes policiais] nas mãos uma parte da fiscalização, pelo menos até perceber o que dirá o diploma e que poderes efetivos irá conferir à Polícia de Segurança Pública.

Na quarta-feira, o Governo entregou no Parlamento uma proposta de lei que torna obrigatório o uso de máscara na rua e a "utilização StayAway Covid em contexto laboral ou equiparado, escolar e académico", sob pena de multa até 500 euros.

A fiscalização da lei, segundo o texto da proposta, "compete à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, à Polícia Marítima e às polícias municipais".

Sindicato: é uma situação que remete para "um estado policial"

Paulo Rodrigues, presidente do maior sindicato da PSP, considera que, caso a lei passe, e tendo em conta o debate público que já provocou - com muitas opiniões contra e até dúvidas acerca da sua constitucionalidade - vai criar "situações muito complicadas".

"Colocar a polícia a fiscalizar telemóveis parece-me uma situação muito delicada e complexa", afirma, salientado que se a lei avançar é uma situação com "indícios de um estado policial" e que o faz recordar "quando, há uns anos, havia uma polícia que fiscalizava os cidadãos na rua para saber se transportavam um isqueiro".

"A Polícia vai ter ordens para cumprir e haverá cidadãos que já agora manifestam que estão contra e poderão recusar-se a mostrar o telemóvel e, claro, a polícia não pode ficar por aí...", antevê.

"O que é importante é que o Governo encontre formas de sensibilizar as pessoas para adotarem esses comportamentos por sua livre iniciativa", contrapõe.

"Não nos parece que isto deva ser transformado num caso de polícia - a polícia só deveria intervir em situações pontuais e muito excecionais".

"Uma das missões mais inglórias" da Guarda Nacional Republicana

Para César Nogueira, presidente da Associação Dos Profissionais da Guarda da GNR, outra das forças policiais que na proposta de lei do Governo terão a função de fiscalização, afirma que a questão do uso obrigatório de máscara na rua "é pacífica", mas que o mesmo não acontece com a fiscalização de um bem de uso pessoal como é o telemóvel.

"Só quem não sabe como é o terreno é que não percebe o quão difícil será implementar e fiscalizar. Claro que se a lei avançar cumpriremos as ordens e iremos cumprir a missão, mas há aspetos que não foram tidos em conta", salienta.

César Nogueira tem ainda "muitas dúvidas sobre a legalidade das revistas" aos cidadãos que possam vir a ser autorizadas e garante que se tal acontecer essa será "uma das missões mais inglórias" da Guarda Nacional Republicana e que irá também servir para ridiculizar os seus agentes. E dá um exemplo.

"Basta que alguém vá buscar um desses telemóveis antigos que não permitem descarregar a aplicação e dizer-nos que só tem esse aparelho. Vão acontecer situações destas", vaticina.

"Percebo a boa intenção, mas não foi uma ideia muito bem pensada", conclui.

Governo "confortável com qualquer que seja a decisão" do Parlamento

A ministra do Estado e da Presidência disse esta sexta-feira que a obrigatoriedade da instalação no telemóvel da aplicação Stayaway covid será decidida no Parlamento e que o Governo está "confortável com qualquer que seja a decisão, porque o que está em causa são dúvidas, e esclarecimentos, que todos temos consciência que existem", assumiu Mariana Vieira da Silva.

"Estamos numa situação em que é preciso definir medidas progressivamente. A reflexão que fizemos foi sobre a importância de garantir novas medidas. Há medidas que, por afetarem os nossos direitos, as nossas liberdades devem ser discutidas no parlamento e é isso que esperamos", justificou.

Mariana Vieira da Silva disse que o Governo agora espera que "o parlamento faça as audições que tem de fazer, que ouça os especialistas, ouça os epidemiologistas e avalie da bondade e da necessidade da medida".

"Muitas dúvidas todos temos, e eu também tenho, e por isso é que o debate deve ser feito nas instituições a quem cabe decidir se, no equilíbrio entre os direitos e as necessidades, esta medida vale a pena e faz sentido, porque as dúvidas que temos ouvido todos as temos e o Governo também as tem. São decisões muito difíceis, na linha de muitas outras decisões difíceis que tomámos", assumiu.

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