Resgate de migrantes: MNE soube de caso de Miguel Duarte pelos media
Augusto Santos Silva confirmou ao DN a reunião agendada com Miguel Duarte, o voluntário que está indiciado pelo crime de auxílio à imigração ilegal em Itália. E explica o que Portugal pode fazer.
"Está marcada uma reunião com Miguel Duarte e com a sua advogada, na qual vamos tentar obter toda a informação relevante."
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santo Silva, confirmou assim ao DN, esta quarta-feira, a informação que fora já adiantada pelo próprio voluntário: "Contactámo-lo na terça ao fim da tarde e combinámos a reunião. Não tínhamos recebido nenhum pedido de apoio dele ou da ONG."
Santos Silva, que admitiu só ter tido conhecimento do caso de Miguel Duarte - que se for acusado de auxílio à imigração ilegal enfrentará uma pena até 20 anos de prisão -- através da comunicação social, certifica que o ministério está desde segunda-feira a estudar o caso. E elenca as possibilidades de ação: "Há três planos - auxílio consular e judicial, cooperação judiciária entre os países e instrumentos diplomáticos."
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Já houve uma portuguesa condenada na Grécia
Tratando-se de um cidadão português no estrangeiro, prossegue o ministro, "ele tem apoio da embaixada. Podemos providenciar apoio jurídico..." Sobre se isso inclui patrocinar a defesa do português caso seja formalmente acusado (ainda não foi), o governante hesita. "Em 2018 tivemos um problema semelhante porque uma jovem portuguesa que reside no Luxemburgo foi acusada na Grécia por auxílio à imigração ilegal e prestámos apoio. Ela foi julgada em Atenas e acompanhámos o julgamento." A acusada tinha advogado próprio, informa, e foi condenada: "O processo terminou com uma pena suspensa e uma conversão em multa, que ela entendeu pagar."
Miguel Duarte tem já, de acordo com o ministro, representação jurídica, e o crowdfunding lançado a 7 de junho para contribuir par a sua defesa já terá angariado mais de 42 mil euros -- de acordo com o site da associação Humans Before Borders, onde são efetuadas as dádivas.
"Em 2018 tivemos um problema semelhante, uma portuguesa que reside no Luxemburgo foi acusada na Grécia por auxílio à imigração ilegal e prestámos apoio, acompanhámos o julgamento. O processo terminou com uma pena suspensa e uma conversão em multa, que ela entendeu pagar."
Segue-se, nas possibilidades de ação, explica o ministro, a cooperação judiciária: "Em abstrato, e havendo acusação, põe-se a hipótese de a pessoa ser julgada em Itália ou beneficiar dos mecanismos da cooperação judiciária e ser julgado cá. Também, em abstrato, a pessoa pode estar em Portugal e ter sido demandado em Itália e dizer: "Não quero ir, façam um mandado e verei o que as autoridades portuguesas dizem." Mas, claro, se tal sucedesse e se as autoridades portuguesas não executassem o mandado, a pessoa nunca mais poderia sair de Portugal, porque correria o risco de ser extraditada para Itália."
E em terceiro lugar, conclui Santos Silva, "há os mecanismos de natureza político-diplomática." Ou seja, os contactos de Estado para Estado.
Amnistia Internacional em "contacto permanente com defesa"
O caso que envolve Miguel Duarte e a ONG baseada em Berlim Jugend Rettet iniciou-se em 2017, quando, depois de a organização ter sido acusada no parlamento italiano de "auxílio aos traficantes de pessoas" e de ter recusado assinar o "código de conduta" imposto pelo governo italiano às ONG, visando impedir a salvação de náufragos, o barco no qual procediam aos salvamentos de náufragos no Mediterrâneo foi apreendido pelas autoridades italianas na Sicília por, segundo a ordem de apreensão, haver suspeitas de ser usado para auxílio aos traficantes e encorajamento à imigração ilegal.
A Jugend Rettet recorreu da decisão mas o Supremo Tribunal italiano manteve a ordem de apreensão - que se mantém até hoje. Posteriormente, em 2018, os responsáveis da ONG e a tripulação do barco foram constituídos arguidos pelo crime de auxílio às imigração ilegal. De acordo com a Amnistia Internacional, num comunicado exarado no final desta quarta-feira e no qual certifica que segue o caso desde 2017, ainda não há acusações formais.
Segundo a Aministia Internacional Portugal, que diz estar em contacto permanente com a defesa, "ainda não há acusações formais".
A Jugend Rettet está longe de ser a única ONG sob a mira das autoridades italianas. Em junho, Pia Klemp, cidadã alemã de 35 anos que era capitã de um barco da ONG de auxílio aos imigrantes Sea Watch, foi acusada de auxílio à imigração ilegal. O barco de que Pia era capitã foi apreendido na mesma altura em que o da Jugend Rettet. Mais de 80 mil pessoas assinaram uma petição para que a acusação seja retirada. Klemp afirmou ao jornal suíço Basler Zeitung que se for condenada recorrerá para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
"Em vez de serem considerados aliados, os defensores dos direitos humanos que prestam esse apoio estão a ser tratados como inimigos", diz Pedro Neto, o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal no citado comunicado. "Os Estados devem coordenar, organizar e implementar esforços para acolher e direcionar quem arrisca a sua vida e não perseguir quem os ajuda na luta pela sobrevivência. No caso do Iuventa [o barco da Jugend Rettet], a assistência que os voluntários prestaram está legitimada por convenções internacionais. Sem provas que demonstrem o contrário, o procurador italiano não tem caso algum para formular acusação. Iremos aguardar pelo desenrolar da investigação, em permanente contacto com a defesa dos tripulantes, para perspetivar as próximas ações." O julgamento, a existir, informa o comunicado, só deverá ter lugar no final de 2019 ou em 2020.
Marcelo Rebelo de Sousa disse, também esta quarta-feira, que não percebe "como se pode criminalizar a ajuda ao próximo." Em entrevista ao Expresso, Miguel Duarte agradeceu "a posição pública do Presidente."