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Fuga de informação no exame. Do áudio nas redes sociais ao julgamento, em 4 atos
Está marcado para esta quinta-feira o início do julgamento de Edviges Ferreira, a professora acusada de divulgar informação sobre a prova do 12.º ano de Português, há dois anos.
2017, plena época de exames. Começa a circular nas redes sociais uma gravação áudio sobre as matérias que iriam sair na prova nacional de Português do 12.º ano. A autora da gravação contava que uma amiga, que tinha explicações com a "presidente do sindicato dos professores", lhe tinha dito que só precisava de estudar Alberto Caeiro, contos e poesia do século XX e treinar uma composição sobre a memória ou a importância dos vizinhos no combate à solidão. E foi Alberto Caeiro e uma composição sobre a memória que saiu no teste.
A presidente do sindicato de professores era afinal a presidente da Associação de Professores de Português que, no âmbito desta função, auditou a prova junto do IAVE (Instituto de Avaliação Educativa).
Depois da primeira notícia do Expresso a dar conta da gravação, em junho de 2017, a professora foi acusada de violação de segredo de funcionário e de abuso de poder e, já este ano, foi demitida da função pública por desrespeitar "gravemente os seus deveres funcionais e o interesse público."
O Ministério da Educação nunca confirmou a identidade da professora envolvida no caso, mesmo que se tenha tornado um caso de tribunal. Edviges Ferreira, por seu turno, negou sempre o seu envolvimento.
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Uma história que se conta em quatro atos.
Junho de 2017: o caso da gravação audio
"Malta, falei com uma amiga minha cuja explicadora é presidente do sindicato de professores, uma comuna, e diz que ela precisa mesmo, mesmo, mesmo só de estudar Alberto Caeiro e contos e poesia do século XX. Ela sabe todos os anos o que sai e este ano inclusive. Pediu para ela treinar também uma composição sobre a importância da memória e outra sobre a importância dos vizinhos no combate à solidão."
Em 2017, o Expresso teve acesso à gravação que circulou nas redes sociais antes da realização do exame de Português 639 do 12º ano. A prova teve lugar a 19 de junho e efetivamente versava sobre Alberto Caeiro e sobre a importância da memória.
A gravação que circulava entre os estudantes chegou ao conhecimento de Miguel Barroso, então professor na Escola Secundária Luísa de Gusmão, em Lisboa, através de um aluno a quem dava explicações de Português. Terá sido este docente a denunciar o que se estava a passar ao Ministério da Educação.
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A professora Edviges Ferreira foi demitida este ano pelo Ministério da Educação.
O IAVE remeteu o caso para a Inspeção-Geral de Educação e para o Ministério Público - a investigação ficou a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal.
A aluna que fez a gravação - que na altura frequentava o Colégio Salesianos de Lisboa - viria a contar mais tarde, no seu depoimento ter ouvido uma conversa entre outros estudantes junto a uma tabacaria próxima da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, a mesma onde estudava a explicanda de Edviges Ferreira.
Maio de 2018: Acusada de violação de segredo de funcionário e de abuso de poder
Sem citar o nome de Edviges Ferreira, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PDGL) veio em maio do ano passado divulgar um comunicado em que dava conta de que a professora era acusada dos crimes de violação de segredo por funcionário e de abuso de poder, puníveis com pena até três anos de prisão.
Na fundamentação da acusação, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa referia que, "enquanto representante da Associação de Professores de Português, foi designada para, em nome desta, auditar as provas da disciplina de Português, no ano letivo 2016/2017, incluindo a prova de português 639, 1 fase, aplicada aos alunos do 12 ano de escolaridade". Deixava assim claro que a professora tinha acedido antecipadamente à prova em causa.
O Ministério Público refere que, "nesse âmbito, a arguida acedeu ao conteúdo das provas, que auditou, tendo assumido a obrigação de manter o segredo sobre os mesmos, ciente que tal segredo a impedia de os divulgar em qualquer circunstância e a quem quer que fosse".
Segundo o MP, a atuação de Edviges Ferreira configura "prática de um crime de violação de segredo de funcionário e de um crime de abuso de poder".
A nota que fundamenta a acusação continua: "Não obstante tal conhecimento e de saber que as funções por si assumidas junto do IAVE - Instituto de Avaliação Educativa - eram incompatíveis com a lecionação de aulas a título particular a alunos que iam submeter-se ao exame nacional de português do 12 ano, a arguida transmitiu a uma aluna, a que dava aulas a título oneroso, os temas sobre os quais iam versar as provas, do exame final, por si auditadas".
Março de 2019: Ministério da Educação demite professora
"O ministro da Educação determinou a aplicação da sanção disciplinar de demissão à docente que, em violação do dever de confidencialidade a que estava vinculada, deu a conhecer informação relativa a conteúdos do exame de Português 639, realizado em 19 de junho de 2017."
A nota do ministro Tiago Brandão Rodrigues, divulgada a 20 de março deste ano, afastava assim Edviges Ferreira do ensino público, considerando provadas as acusações de que tinha sido a autora da fuga de informação sobre a prova.
Quando foi feita a denúncia, o ministério abriu um processo disciplinar à docente - levado a cabo pela Inspeção-Geral de Educação e Ciência - para apurar quais eram as suas responsabilidades no caso.

Apesar de a fuga de informação se ter tornado pública, o ministério não cancelou a prova.
Quando este ano deu a conhecer que demitia Edviges Ferreira, o ministério fez questão de frisar que a professora desrespeitou os seus deveres e o interesse público: "Todas as infrações constantes dos artigos da acusação foram consideradas provadas, concluindo-se que a docente terá agido, de forma consciente e intencional, desrespeitando gravemente os seus deveres funcionais e o interesse público."
Junho de 2019: A defesa e o primeiro julgamento adiado
A primeira sessão do julgamento, inicialmente marcada para 7 de junho, foi adiada para esta quinta-feira.
Contactada pelo DN, Edviges Ferreira não quis falar sobre o assunto, nem facultou o número do seu advogado, alegando que este não tem por hábito fazer declarações.
No entanto, já foi noticiado que uma das alegações da defesa da professora é a nota baixa que a aluna a quem dava explicações obteve no exame - 9,5 valores. Para a defesa, este resultado demonstra que a aluna não teve acesso a informação privilegiada.
Segundo o JN, dos autos do processo de acusação constam referências a outras possíveis denúncias que a defesa acusa o Ministério da Educação de não investigar - além da antiga presidente da Associação de Professores de Português, outras 54 pessoas do Instituto de Avaliação Educativa terão tido acesso ao exame.