Uma incubadora de anormais

A política do Brasil voltou, com Lula, à modorrenta normalidade depois de quatro anos de furiosa anormalidade sob a presidência de Bolsonaro e quadrilha, nos quais, por exemplo, se cometeu o que vem sendo classificado por especialistas como um genocídio contra o povo ianomami, a definhar tragicamente em aldeias da Amazónia.

No bolsonarismo, o garimpo ilegal nas terras indígenas, principal causa daquele drama humanitário, não foi apenas permitido - foi estimulado. E o contrabando de madeira, com envolvimento pessoal do nefasto ex-ministro do Ambiente, elevado a política de Estado.

No bolsonarismo, o governo promoveu relações íntimas com milicianos (vulgo mafiosos), o alicerce eleitoral original do ex-presidente. Foram descobertos arsenais clandestinos nas mãos de criminosos das relações pessoais da família. E 37 quilos de cocaína no avião presidencial.

No bolsonarismo, pastores vigaristas trocaram verbas do Ministério da Educação por barras de ouro. E comercializaram Bíblias com a fotografia do ministro da pasta, mandando a sacralidade das escrituras para o inferno.

No bolsonarismo, funcionários do Ministério da Saúde pediram comissões por vacina, no auge da tragédia da pandemia, com o conhecimento do Planalto. E o mesmo Planalto recusou, por meses, imunizantes dos melhores laboratórios do mundo para depois os comprar por intermediação de uma firma de vão de escada.

No bolsonarismo, as sempre tão austeras Forças Armadas gastaram fortunas com próteses penianas, Viagra, botox e produtos contra a calvície. E oficiais ainda se entupiram de whisky, picanha, salmão e champanhe comprados com dinheiro público.

No bolsonarismo, o primogénito comprou uma mansão de seis milhões em dinheiro vivo. Pelo mesmo método, a família comprou 53 imóveis. E ainda desviou salários milionários de assessores-fantasma para contas, uma delas da primeira-dama, devidamente lavados numa loja de chocolates.

No bolsonarismo, um exército composto por malucos, ignorantes, ressentidos, solitários e entediados andou por meses a fechar estradas e a fazer figuras tristes em frente a quartéis. Conduzidos por criminosos, tentaram um golpe de Estado entre o violento e o ridículo.

Passada, então, a furiosa anormalidade, distingue-se de novo no horizonte a tal modorrenta política brasileira normal: nas últimas horas, houve eleições para a presidência do Congresso que terá reelegido, já depois da conclusão deste texto, Arthur Lira como presidente da Câmara dos Deputados.

O vencedor, mesmo tendo sido cúmplice de Bolsonaro e criado o Bolsolão (um Mensalão anabolizado), teve os votos da base de apoio de Lula, sem vontade parlamentar de o enfrentar.

Na campanha, Lira decidiu aumentar os já generosos salários, auxílios de aluguer, reembolsos de combustível e voos grátis dos deputados (do seu eleitorado, portanto) à mesma hora em que Lula, a cada discurso, chorava a falar da fome que atinge dezenas de milhões de compatriotas.

Lula, entretanto, para ganhar músculo parlamentar, acomoda, no seu governo, uma ministra fã de milicianos (os tais mafiosos) e um ministro que usou o Bolsolão (o tal Mensalão anabolizado) para obras no próprio latifúndio.

Por essas e por outras imoralidades, se não se regenerar, a modorrenta política brasileira normal continuará a servir de incubadora, de tempos em tempos, de furiosos anormais, como Bolsonaro.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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