Um "não" dito com convicção
Não participei no debate instrutório sobre o chamado Caso EDP. Como disse Gandhi, "um "não" dito com convicção é melhor e mais importante do que um "sim" dito meramente para agradar ou, pior ainda, para evitar complicações".
Não é sério fazer, numa manhã (fazendo as contas, cada interveniente teria 30 minutos para a presentar os seus argumentos), o debate instrutório de um processo complexo que está sob investigação há 12 anos e cuja acusação tem 570 páginas, 85 volumes e mais de 100 apensos, isto fora o registo áudio do depoimento de testemunhas.
Ainda por cima quando a magistrada a quem foi distribuída a instrução do processo foi nomeada há apenas 32 dias. A Justiça não pode funcionar desta maneira, nem um génio consegue estudar um processo de tamanha complexidade em tão pouco tempo.
Os factos:
vantagens indevidas
Apresentámos prova documental do que me era devido em termos contratuais e de que não recebi vantagens indevidas. Se dúvidas persistem, o que penso não ser já o caso, podem ser facilmente esclarecidas através de uma perícia e da audição de testemunhas, o que não foi permitido. Ninguém faz um acordo para se prejudicar.
Os factos:
favorecimentos
No meio de muito palavreado, resumem-se a quatro, aos PIN, a uma decisão sobre a Brisa, outra sobre as Águas do Vimeiro e à candidatura à Ryder Cup, esta quando já não estava no governo.
Sobre os PIN, que estão em vigor desde 2005 até hoje, para a acusação são uma via verde para construir de forma ilegal. Não se reparou que deleguei no meu secretário de Estado-Adjunto por despacho a tutela da API, que tinha a responsabilidade da comissão que coordenava os PIN (CAPIN). Mais importante, basta ouvir o registo áudio dos testemunhos do ministro do Ambiente, dos presidentes da API e do representante do ministro na CAPIN para verificar que não tive qualquer interferência nos PIN relacionados com o BES, direta ou indiretamente.
A título de curiosidade, no que respeita à Herdade da Comporta vale a pena referir que a criação de 2 áreas de desenvolvimento turístico (designadas ADT Comporta e Carvalhal) já estava contemplada no Plano de Ordenamento Territorial do Litoral Alentejano, PROTALIS, que data de 1993, ou seja há 30 anos, quando o professor Cavaco Silva era o primeiro-ministro.*
Sobre a Brisa a acusação diz respeito à reversão em 2006 de uma decisão tomada pela Autoridade da Concorrência relativa a uma aquisição feita pela Brisa. A acusação não reparou que o BCP era acionista da Brisa com o Grupo José de Mello, que, por sua vez, era acionista do BCP. Portanto, a haver algum banco beneficiado seria o BCP.
O argumento é que esta decisão visava beneficiar o BES, que teria uma grande carteira de empréstimos à Brisa. Passe a publicidade, o rating da Brisa é superior ao da EDP ou da Caixa, portanto tem baixíssimo risco. A Brisa não tem nada a ver, antes pelo contrário, com os créditos tóxicos do Novo Banco. Em 2006 o peso da divida bancária no total da dívida da Brisa era de apenas 7%, sendo a parte mais importante, de longe, empréstimos do BEI e emissões no mercado de capitais. Estes valores são confirmados pela CMVM (informação disponível na net).**
A terceira acusação diz respeito a um pedido de extensão da concessão de exploração feito pela empresa Águas do Vimeiro, na altura pertencente ao BES que, na opinião do Ministério Público, teria sido decidido de forma classificada de "super- rápida".
Decisão super-rápida? Basta ler o despacho de acusação para ver que dataram 217 dias entre o subdiretor da Direção de Energia ter determinado a publicação deste pedido da empresa e o diretor geral o ter despachado favoravelmente.
O 4º suposto favor ao BES é ainda mais inverosímil e diz respeito à candidatura de Portugal à Ryder Cup 2018, que acabou por ser atribuída à França.
Já depois de ter deixado o governo, fui convidado para presidir a uma comissão, cujo presidente de honra era o dr. Jorge Sampaio e era constituída por 3 peritos escolhidos pela FPG, dois deles estrangeiros. Com base num caderno de encargos detalhado, foram apresentadas 6 candidaturas, sendo de longe a que ficou melhor classificada a Herdade da Comporta e sendo a 2ª classificada também do Litoral Alentejano.
Para a acusação, não parece ser isto que está em questão, mas eu ter supostamente atrasado o meu pedido de passagem à reforma para defender os interesses do BES de forma dissimulada. Porém, basta consultar o processo para ver que pedi a passagem à reforma 3 meses antes de receber o convite da FPG e, de qualquer maneira, não seria isso que faria mudar de opinião os peritos escolhidos pela FPG que foram os únicos responsáveis pelo ordenamento das propostas.
Lanço um desafio
Lanço um desafio à magistrada titular do processo Caso EDP: mostre as provas que tem de que fechei alguma conta bancária ou vendi património em Portugal, que foram as duas principais razões para assinar o prolongamento da minha prisão domiciliária. Se não o fizer, será mais um escândalo em que participa.
* https://files.dre.pt/1s/2008/02/02300/0088400884.pdf
** https://web3.cmvm.pt/english/sdi/emitentes/docs/FR11246.pdf
Antigo ministro da Economia