Um muro na Europa?

Um dos momentos que mais me orgulha - enquanto cidadão de Portugal e da União Europeia - foi a enorme onda de solidariedade que se manifestou em todo o continente europeu para com os milhões de refugiados ucranianos.

A invasão russa forçou muitas famílias inocentes a abandonarem as suas terras e a dividir-se: os homens mobilizaram-se para defender o seu país; as mulheres, crianças e idosos procuraram ajuda nos países vizinhos. O nosso coração falou mais alto e juntos procurámos soluções para assegurar comida, abrigo e emprego aos que cá chegavam.

Esta resposta justa e humana foi, contudo, uma exceção face à tendência mais recente em muitos países europeus - Portugal, felizmente, não é um deles.

Ao longo dos últimos anos (em particular no rescaldo da crise humanitária no Mediterrâneo), o debate político em vários países caminhou no sentido de legitimar as restrições ao apoio aos refugiados e à imigração.

Um dos exemplos mais recentes é a Suécia, onde os liberais e conservadores negociaram o apoio da extrema-direita para formar governo em troca da adoção de políticas anti-imigração.

Por coincidência, a Presidência do Conselho da UE - uma função rotativa entre os 27 estados-membros - está atualmente a cargo do governo sueco. Sem surpresas, uma das grandes prioridades da presidência sueca é o "retorno ao país de origem" de imigrantes na União Europeia, desviando o foco de questões urgentes, como a guerra na Ucrânia e o impacto da inflação nas famílias e empresas europeias.

"É salutar que Luís Montenegro tenha defendido recentemente um 'verdadeiro programa nacional de captação, acolhimento e integração de imigrantes'."

Esta agenda tem vindo a ganhar espaço, sobretudo porque a direita moderada está cada vez mais próxima do extremo. Ontem mesmo, o Partido Popular Europeu (integrado por PSD e CDS) lançou uma proposta para usar fundos europeus para financiar a construção de muros nas fronteiras da UE, que em tudo se assemelha ao build the wall de Donald Trump.

Copiar as propostas populistas pode dar votos, mas além de profundamente desumano é economicamente irracional.

Devido à inversão da pirâmide demográfica na União Europeia, muitos setores de atividade confrontam-se com uma dramática falta de mão-de-obra. Só na Alemanha, as organizações patronais (insuspeitas de qualquer tendência de esquerda) estimam que lhes faltam dois milhões de trabalhadores e defendem que o governo deve facilitar a chegada de imigrantes e a sua formação.

Em Portugal, setores como o turismo, indústria ou construção civil também lutam contra a falta de mão-de-obra e há quem vá recrutar diretamente a Marrocos ou Cabo Verde. As necessidades estão por quase toda a economia. Acresce que as contribuições da população imigrante em Portugal para a Segurança Social têm um saldo largamente positivo (1200 milhões de euros em 2021), ajudando a garantir a sustentabilidade do sistema de pensões.

É, por isso, salutar que Luís Montenegro tenha defendido recentemente um "verdadeiro programa nacional de captação, acolhimento e integração de imigrantes", pois é essencial que o país construa um consenso nesta matéria que resista à pressão populista.

Esperemos que o PSD, onde muitos já olham para um futuro governo de direita em aliança com o Chega, saiba resistir a essa pressão (que vem também da sua família política europeia) e, definitivamente, se decida por ser uma oposição respeitável. O país precisa e agradece.

8 valores
Paulo Rangel

Em tempos foi defensor de posições humanitárias. Ontem, em Bruxelas, contaminado pelo vírus do populismo que está a afetar a direita europeia, apoiou a deriva securitária do Partido Popular Europeu, defendendo "fronteiras mais fortes" para travar migrantes.

Era bom que trocasse umas ideias sobre o assunto com Luís Montenegro para sabermos se a posição do PSD é a mesma em Lisboa e em Bruxelas.


Eurodeputado

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