Um mundo em mutação
Quando presidentes e primeiros-ministros dos países de todo o mundo se reuniram na Assembleia Geral das Nações Unidas, ouviram António Guterres apresentar um diagnóstico dramático sobre o estado do planeta. Guterres lembrou que estamos a braços com uma pandemia mundial, com uma crise climática sem precedentes, com guerras e conflitos novos e velhos, com a pobreza extrema de alguns e riquezas acumuladas de outros, com violações dos direitos humanos - em particular das mulheres e raparigas -, com mudanças profundas provocadas pela revolução digital e com uma crescente falta de confiança nas instituições democráticas e na ciência. Mas os desafios surgem também na política externa dos mais influentes Estados e organizações internacionais que estão a rever o seu posicionamento, o que dificulta a cooperação internacional que Guterres propõe, se quisermos dar respostas às crises que são de todos.
Do lado de Washington, depois de a administração Trump ter alterado a política externa americana tradicional para um conjunto de relações bilaterais, não constrangidas por regras ou organizações internacionais para "put America first", veremos como a nova administração Biden posicionará os Estados Unidos no quadro da comunidade internacional. Até à data os sinais são ambíguos, divididos entre o regresso anunciado ao multilateralismo e as decisões tomadas recentemente no Afeganistão e no acordo com o Reino Unido e a Austrália à margem dos parceiros da NATO.
Por seu lado, a República Popular da China tem vindo a expandir o posicionamento militar na sua vizinhança próxima, e através de um conjunto muito significativo de investimentos é detentora de dívidas muito substantivas de países em desenvolvimento e está a adquirir e a controlar infraestruturas estratégicas e a reforçar a sua presença na Europa, na Ásia, em África e nas Américas.
A União Europeia, ciente de que a segurança na Europa depende da segurança fora de portas, oferece uma visão do mundo baseada na ligação entre o crescimento económico, o desenvolvimento social e a promoção da democracia política, a sustentabilidade ambiental e a promoção da democracia para o apoio aos países em desenvolvimento e está envolvida num esforço coletivo de aprofundamento da sua capacidade de segurança e defesa, a chamada Bússola Estratégica, que deverá estar concluída em 2022.
Finalmente a Rússia, que durante a presidência de Donald Trump não parecia oferecer um modelo alternativo de organização do mundo, acusou recentemente a União Europeia e os Estados Unidos de tentarem impor a sua agenda ao mundo e posiciona-se como o campeão da soberania, disposto a organizar os Estados que não se reconhecem no modelo ocidental e estabelecer relações privilegiadas com a China e com a Índia. Teremos, também aqui, de aguardar para vermos o papel que a Rússia poderá vir a desempenhar no sistema internacional.
Como disse António Guterres, o mundo está à beira do precipício e, se não formos capazes de trabalhar em conjunto, corremos o risco de dar um passo na direção errada. Infelizmente a comunidade internacional parece fragmentada e mais ocupada em reafirmar as diferenças que nos separam do que em dar resposta aos desafios comuns que temos de enfrentar. Mas o mundo não espera e o tempo não para.
Investigador associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa