Repensar a eficácia das sanções à Rússia

À medida que foram impostas mais e mais sanções à Rússia pela invasão da Ucrânia e pela barbárie da atuação do seu Exército na guerra gerada, criou-se nos países ocidentais (o resto do mundo não dá relevo similar a esta guerra "europeia") a convicção de que a economia russa sofreria uma derrocada gradual. Faço parte dos que se juntaram a esse coro. Volvido um ano, sucede que os números económicos não corroboram essa tese. Apesar de projeções apontando para uma redução do PIB da Rússia em, pelo menos, 10%, o FMI agora estima que a economia russa tenha contraído c. 2% em 2022 e até espera que cresça ligeiramente este ano. O que explica tal situação? Alguns, como K. Rogoff, sustentam que, "embora o regime de sanções imposto à Rússia tenha prejudicado a sua economia, é muito menos severo do que os impostos à Coreia do Norte e ao Irão, que incluíam penalidades a terceiros países. A imposição de sanções secundárias poderia apertar o passo a Putin, mas também acelerar a desglobalização." Mas, sem prejuízo de revisitarmos a questão do aprofundamento das sanções, convém primeiro tentar perceber porque falharam as sanções em tão larga medida. Uma das razões foi a capacidade de a economia russa continuar a funcionar sem muitas empresas e produtos ocidentais. Mas a principal razão para o falhanço decorre da estrutura da economia de exportação da Rússia. 50% das exportações russas são de petróleo, seus derivados e outros produtos energéticos de recursos fósseis. Outros 20% são de metais preciosos e de metais críticos. Os cereais são c. 15%. Ou seja, na era Putin a Rússia deixou de ser uma potência industrial (com exceções de alguns nichos) e transformou-se numa "superpotência de produtos de base" (WEF) e seus derivados. Produtos sem os quais a larga maioria dos países não consegue viver. Em especial no que tange aos produtos energéticos provenientes de recursos fósseis que constituem 84,3% da energia global (em 2000, esta percentagem era de 86,1%, para que se perceba o ritmo real da transição energética...).

Num recente gráfico da Bloomberg feito com base nos dados de rastreamento de navios, é possível constatar em 2022 e inícios de 2023 um incremento de compras de crude russo pela Índia, pela China, pela Turquia e por "países asiáticos desconhecidos".

"Na era Putin a Rússia deixou de ser uma potência industrial (com exceções de alguns nichos) e transformou-se numa "superpotência de produtos de base"."

No mercado de trading de crude e derivados do petróleo é consabido que não escasseiam operadores disponíveis para fazer a intermediação, incluindo com substituição de documentos relativos à origem do produto; conhecemos casos em que isso é feito no Golfo, casos em que é feito ao largo da costa ocidental de África e até na Europa em portos com assinalável capacidade de tancagem de combustíveis.

No que tange a metais críticos, o exemplo do níquel ilustra bem a dependência da produção russa, com a principal empresa russa do sector - a Norilsk Nickel - isenta de sanções.

Por outro lado, os poucos casos em que o receio de sanções teve efeitos danosos sérios para a Rússia são curiosamente com empresas chinesas - mais exatamente a recusa do Banco da China e do ICBC em financiar o gasoduto Power of Siberia II e um novo terminal de liquidificação / LNG em Yamal, precisamente por receio da imposição de sanções pelos EUA. Mas, lá está, tal receio não existirá por parte das c. 600 empresas chinesas que já estão nas "listas negras" (Entity List) dos EUA...

Consultor financeiro e business developer
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