Qual o tempo para Amanhã?

Já todos escreveram, ad nauseam, sobre a pandemia. Já todos escreveram sobre as consequências da pandemia na saúde, também mental, na economia, nas questões sociais e até ambientais. E porque não político-legais e tecnológicas. Do trabalho e da retenção. Ou logísticas e de operações. E tantas e tantas outras consequências que já foram escritas e reescritas.

Também já muitos escreveram sobre a dificuldade em celebrar o Natal em pandemia. Já muitos escreveram sobre a complexidade de juntar amigos, de celebrar um aniversário, de encontrar os pais ou as pessoas mais velhas.

Não escrevo, pois, sobre nada disso.

Escrevo, antes, usando um clássico para tudo isto. Fui buscar a pirâmide de Maslow.

Para quê? Para sublinhar que durante estes tempos conturbados, em que ninguém quer pensar muito mas todos queremos muito ver-nos livres deles (destes tempos), nada houve como o foco naquilo que são as nossas necessidades fisiológicas, as mais básicas (relembre-se que a pirâmide de Maslow tem 5 níveis, começando nas necessidades mais básicas, depois nas de segurança, em terceiro lugar nas de amor/relacionamento, em quarto e em ascendente, nas de estima, e, finalmente e no topo, nas de realização pessoal).

Ou de como o homem pode passar da realização pessoal, das questões de estima, dos amores e relacionamentos e das necessidades de segurança para o básico dos básicos: fisiologia. Bastou para isso uma pandemia.

O que nos preocupa na fisiologia ou através dela? Se respiramos e continuamos vivos. Se temos comida, se bebemos água, se dormimos e como está o nosso estado de sono, o nosso sexo e o básico do equilíbrio do nosso corpo.

Vamos acrescentando algumas camadas de segurança em termos corporais, em termos de saúde e de propriedade. Em termos de emprego também. Mas estamos a funcionar muito, e apenas, nos dois primeiros níveis.

No final do dia, a família e a amizade saíram e saem comprometidas desta aventura pandémica (o nível do amor/relacionamento saiu devastado desta pandemia).

E, mais longínquas ainda, estão as questões da auto-estima (há imensa procura por apoio psicológico e psiquiátrico, ditando o quão longe estamos de níveis interessantes de auto-estima), mesmo de confiança (desconfiamos de tudo e todos, tudo nos parece desconhecido e pouco confiável, nos parece estranho), ou onde ficaram para muitos as batalhas por conquistas (cada vez é mais complexo fixar ou pedir objetivos empresariais e entusiasmar os colaboradores por elas), e mesmo o respeito mais básico pelos outros e pelas instituições (nota-se no trânsito como se nota em qualquer fila de espera ou na paciência e na aceitação do erro e até no nível de reclamação - normalmente a reclamação pela reclamação que em nada se traduz).

Pior que tudo isto é que adiámos de vez questões morais, partes importantes da criatividade, da espontaneidade, da capacidade de resolver problemas. Exacerbámos os preconceitos e temos cada vez mais uma enorme dificuldade em aceitar factos. A realização pessoal está fortemente comprometida com esta pandemia.

E isto vai deixar marcar indeléveis ao nível pessoal, familiar, das organizações, das sociedades. Vamos precisar de muitos anos para recuperar novamente os níveis de confiança nos outros e mesmo na ciência. Para estabilizar relações com amigos ou relações familiares. Para ganhar níveis de intimidade e cumplicidade que já experimentámos. Para nos sentirmos seguros.

Dito isto, e porque já também muitos escreveram, de uma forma ou de outra, sobre cada uma destas coisas, o sintoma dos sintomas desta apetência pelo imediato e pela necessidade mais básica é a pesquisa mais feita no google em 2021 e que diz um pouco de tudo isto e do estado das coisas. Adivinham qual a pesquisa mais efetuada? "O tempo para amanhã". E o programa mais pesquisado? "Big Brother". Nada como noutros tempos onde conseguimos ter "Game of Thrones" ou "Óscares" ou mesmo "Como funciona o Tinder?"

Pode-se tirar o que se quiser daqui. Eu tiro apenas, e só, qual o nível de referência a que estão posicionadas as nossas preocupações e as nossas necessidades. Descemos ao básico dos básicos.


Presidente Iscte Executive Education

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