Longa vida ao camarada Cavaco!
Cavaco Silva cometeu um óbvio erro político ao deixar transparecer puro ódio ao PCP e ao Bloco de Esquerda no discurso de indigitação de Passos Coelho. Não, não estou a falar apenas da consequência direta da tentativa presidencial de ostracização de quase um milhão de votos dos portugueses e que foi o reforço da convicção com que a esquerda tenta chegar a um acordo que viabilize na Assembleia da República um novo governo.
Falo do óbvio erro de Cavaco Silva, para os seus interesses políticos e partidários, em não ter nomeado quinta-feira, como a esquerda pedia, António Costa primeiro-ministro para evitar a "perda de tempo" de Passos Coelho ir daqui a uns dias, com uma dúzia de ministros de curto prazo, ser derrubado no Parlamento.
Se Cavaco tivesse acedido positivamente ao apelo da esquerda, empossando diretamente o líder do segundo partido mais votado nas eleições de 4 de outubro, sem antes ter indigitado o líder do partido vencedor, teria legitimado a ideia de que em situações de maioria relativa o poder do Presidente da República de nomear um chefe de governo passava a ser coisa mais ou menos arbitrária, com a Assembleia a servir de mero acessório promulgador.
Este reforço artificial dos poderes presidenciais, caucionado pela esquerda e combinado pelo efetivo poder discricionário que o Presidente já tem para derrubar governos, seria uma consequência a longo prazo da reivindicação de Costa, Jerónimo e Catarina bem mais grave do que o eventual entendimento na opinião pública de que a possível chegada socialista à liderança do governo fora obtida através de um "golpe de secretaria", coisa que o tempo, se houvesse, acabaria por esbater.
Só posso, portanto, agradecer ao presidente Cavaco Silva ter prestado este relevante serviço à esquerda portuguesa, ainda por cima dando--lhe tempo para limar arestas nas negociações entre os três partidos.
O Presidente ajudou ainda a esquerda ao deixar transparecer a ideia de que preferia nomear um governo de gestão a ter comunistas e bloquistas a apoiar um governo PS... O espanto foi tal que até António Barreto, campeão intelectual do anticomunismo, anunciador, aqui no DN, da chegada do inferno na terra com a aliança PS/BE/PCP, acabou a escrever que tal intenção de Cavaco seria ainda pior que o seu pior temor...
Finalmente, julgo que para Cavaco acabar o seu serviço à esquerda deveria realmente recusar dar posse a António Costa e obrigar Passos Coelho a ficar em governo de gestão durante oito meses: nas eleições seguintes a direita ficava reduzida a pó... Força força camarada Cavaco!
PS: A greve de fome de Luaty Beirão aproxima-se dos 40 dias. Renovo o apelo a que se salve a sua vida. Reafirmo que não acho bem darem-se lições de moral a Angola. Dispenso, também, lições de moral do poder angolano a Portugal.