Medo
Não há um problema de imigração na Europa. Há sim um problema humanitário grave em países próximos que, aliás, foi causado em parte por terríveis erros na condução da política externa dos países europeus.
Pôr nos pratos de uma imaginária balança os custos financeiros da integração da entrada de imigrantes face aos proveitos da chegada ao nosso continente de gente que precisa desesperadamente de fugir a massacres ou de simplesmente matar a fome e viver com o mínimo de dignidade é em si mesmo algo que devia chocar qualquer pessoa de bem, uma abordagem que tem de envergonhar todo e qualquer cidadão que tenha a mínima noção dos valores que a Europa e o Ocidente levaram séculos a consolidar. Mas, respirando fundo e cedendo ao asco, é fácil perceber que os custos iniciais são tão insignificantes para um espaço económico como o europeu que ninguém com a mínima boa-fé pode argumentar nesse sentido. Também é impossível falar de uma "invasão". Falamos de dois? Três? Quatro milhões de pessoas? Lembre-se que a população do espaço europeu em causa se situa por volta dos 500 milhões. Serão essas pessoas a pôr em causa a nossa forma de viver? É, sequer, difícil a sua integração? E, por favor, convém não confundir alhos com bugalhos. Os problemas de integração de alguns grupos de franceses, muitos de segunda e terceira geração, nada têm que ver com a atual questão do abrigo dos imigrantes e resultaram de políticas internas erradas.
Estamos a falar, portanto, de integrar cerca de 0,5% da população europeia. Não há sinais de desagregação social ou de falta de coesão comunitária por causa dos imigrantes. Foram e continuam a ser cometidos erros na integração de imigrantes. Não podemos ignorar as dificuldade em França - que nem segundas e terceiras gerações consegue integrar -, situações até como de Portugal, que passados 40 anos não tem negros nos media ou na política, os problemas em Itália. Mas a questão não está na chegada de imigrantes mas como depois o poder político contribui ou não para a sua integração. O que nos querem vender, porém, é que os imigrantes põem em risco a nossa forma de viver, os nossos valores, que estão a desagregar as nossas comunidades. Não estão. Há sinais de desagregação social, mas a imigração está longe de estar a contribuir para isso.
Há algum problema de segurança pública que se possa assacar aos imigrantes que chegaram à Europa nos últimos anos? Não vive o nosso espaço comum um período especialmente bom em termos de criminalidade - não consta que tenham sido imigrantes a destruir bancos, nem a corromper políticos? Claro que sim. Não há um único sinal de que essa imigração tenha trazido criminalidade acrescida.
Desemprego? Não me parece que tenham sido líbios ou sírios a causar uma enorme crise financeira que fez que se destruíssem tantos empregos. Mais, os imigrantes são neste momento essenciais em várias funções.
Os imigrantes desequilibram a nossa segurança social? Pelo contrário. Ajudam e, por exemplo, em Portugal seriam muitíssimo bem vindos.
E, no entanto, os partidos que baseiam toda a sua estratégia num discurso anti-imigração crescem eleitoralmente por toda a Europa. Mais, o atualmente mais popular partido italiano é claramente xenófobo e a sua bandeira foi a promessa de leis anti-imigração, o primeiro-ministro húngaro promulga um decreto que criminaliza quem ajuda um imigrante a preencher um qualquer formulário (em 2016, na Hungria, entraram 23 800 imigrantes para uma população de quase dez milhões...) e, convém não esquecer, toda a campanha dos apoiantes do brexit baseou-se no acirrar dos ingleses contra os imigrantes.
Há aqui algo que claramente não bate certo. Não sendo os líderes dos partidos anti-imigração ignorantes quanto aos factos acima descritos, porque fazem o discurso anti-imigração e xenófobo? Porque resulta. Porque o medo se instalou nas nossas sociedades. O medo do desemprego, o medo de que os sistemas de saúde, de educação, claudiquem, que as nossas pensões não cheguem quando o momento chegar. Medos que estavam razoavelmente afastados ainda há pouco tempo, mas que regressaram em força com as crises económicas recentes. E, claro, sempre o medo do outro, do desconhecido, daquilo que nos surge como diferente.
O "feito" destes líderes é concentrar todos esses medos e concentrá-los no ódio aos imigrantes. Fazer que todas explicações para os problemas se concentram num grupo de pessoas. Não é a primeira vez, muito longe disso, que isso acontece na história do mundo.
Para estes criminosos o discurso anti-imigração é um meio. O objetivo é quererem impor agendas que estão muito para lá das questões da imigração. Essas políticas são apenas a porta de entrada para a destruição da democracia, do Es- tado de direito, do nosso modo de vida. No entretanto, o fecho de fronteiras, o isolacionismo.
Não se ganha ao ódio com ódio. A tese de construirmos cordões sanitários entre os que votam nestes políticos e os que lutam contra eles apenas trará mais ódio, mais incompreensão.
Parece que não se aprendeu nada com as vitórias de Trump e dos seus camaradas europeus. Há muita gente a gritar, e bem, contra os novos fascistas e muito pouca a tentar perceber porque há tantas pessoas que não são racistas nem xenófobas a votar com base nesses sentimentos. Muitas pessoas a chamar estúpidas a outras e muito poucas a tentar explicar as verdadeiras consequências de se votar em perigosos populistas.
A luta tem de ser contra as causas do medo. De tentarmos perceber em conjunto como ultrapassar os medos que estão instalados nas nossas comunidades - o medo que se resume ao de uma vida pior. Não está em dizermos que quem vota em tipos como o Salvini ou o Orbán não passa de um ignorante ou de um racista. Isso será tão simplista como dizer que todos os imigrantes são uns potenciais bandidos.
A resposta nunca está na construção de muros entre nós.