06 maio 2018 às 00h54

Campeão rima com superação

Paulo Baldaia

A história deste título é a história de uma série de superações que acrescenta mérito a uma equipa que não se limitou a mostrar dentro do campo por que só o Futebol Clube do Porto podia ser primeiro. O campeão é o símbolo de uma cidade e de uma região, mas é também um clube global com adeptos nos quatro cantos do mundo, que seguiram a equipa para onde quer que ela fosse jogar, que a foram levar e esperar aos aeroportos, que se juntaram para ver os jogos na Sport TV.

Superámos um sistema que estava montado para voltar a atribuir um título ao Benfica. Superámos o constrangimento financeiro imposto pela UEFA, na sequência de gastos excessivos em épocas anteriores. Superámos a consequência dessa intervenção do organismo máximo do futebol europeu que se traduziu na impossibilidade de nos reforçarmos no início da época e no mercado de inverno. Superámos as várias lesões que afetaram um plantel que todos diziam ser curto. Superámos os maus resultados que podiam ter desmotivado a equipa, com especial destaque para a derrota em casa com o Liverpool. Num título que foi conseguido contra tudo e contra todos, só fomos iguais a nós próprios, superando todas as adversidades, fazendo das fraquezas forças.

Joga o Manel

Na hora de festejar o título ainda me questiono: como foi possível mesmo não podendo contar boa parte da época com o melhor jogador português a jogar em Portugal? Há meses que estamos sem Danilo, o maestro que tanta falta vai fazer à seleção nacional, como já reconheceu o selecionador Fernando Santos. Num plantel evidentemente curto, a forma como Sérgio Conceição conseguiu motivar os "suplentes" é outro segredo mal guardado. Todos sabem que ser Porto é superar as adversidades. Não há Alex Telles joga Dalot, não há Danilo com Herrera joga Herrera com Sérgio Oliveira. Não há Soares joga Marega, não há Marega joga Soares ou Aboubakar, não há Aboubakar joga quem tem de jogar. Como dizia um treinador de um clube adversário, numa equipa que quer ser campeã, quando um titular indiscutível não pode jogar, "joga o Manel".

Joga o Sérgio

Este é um título de todos os jogadores e é, sobretudo, um título de Sérgio Conceição que se manteve sem papas na língua, mas muito longe do treinador indisciplinado que os nossos adversários quiseram profetizar. É a vitória de um líder que não teve medo de encostar temporariamente o melhor guarda-redes do mundo para o ter a 100% quando ele foi mais preciso. É a vitória de um treinador que conseguiu melhorar jogadores como Marega, Herrera, Aboubakar, Brahimi, Alex Telles, Ricardo Pereira, entre tantos outros.

Joga o Francisco

Foi dentro do campo que a equipa do Futebol Clube do Porto mostrou ser melhor que todas as outras, mas nesta época não se pode esquecer o papel de Francisco J. Marques que demonstrou de forma clara a existência de uma teia de interesses que foi construída para favorecer uma equipa. Com essa denúncia e com as provas apresentadas foi possível diminuir, embora não tenha acabado, o favorecimento ao Benfica. Numa competição onde se movem paixões clubísticas, não perder o campeonato da comunicação é crucial e, é preciso dizê-lo, Jota Marques também é campeão.

Joga o Jorge Nuno

E o que dizer do presidente com mais títulos em todo o mundo? Jorge Nuno Pinto da Costa é o rosto de uma estrutura que em determinado momento pareceu estar cansada de ganhar mas que nunca desistiu de lutar para que toda a experiência acumulada voltasse a ser uma mais-valia. A escolha de Sérgio Conceição e a autonomia real que lhe foi dada para gerir o plantel são uma vitória de Pinto da Costa.

O presidente vive hoje, como todos os adeptos, um momento de grande felicidade, que é merecido pelo profissionalismo que sempre coloca na gestão do clube. Ter sido capaz de iniciar a resolução do problema financeiro sem perder competitividade é de mestre.

A longa travessia

Há precisamente 40 anos pusemos fim a um jejum de 19 anos sem ganhar o campeonato. Tínhamos feito uma longa travessia em plena ditadura, num tempo em que atravessar a Ponte da Arrábida era um handicap e em que ganhar um clube de Lisboa era o melhor para o regime. Quase duas décadas sem ganhar é hoje uma coisa impensável para um clube da dimensão do FCP. Por isso mesmo, estes anos de jejum não foram estranhos apenas para os adeptos portistas, mesmo entre os nossos adversários estes quatro anitos pareceram-lhes tão longos como os dez anos que o Benfica esteve sem ganhar até 2005 ou os 16 anos que o Sporting leva sem ganhar o campeonato.

A minha filha Camila, lisboeta feita sócia do FCP por vontade própria, resumiu muito bem o que é ser adepta de um clube: "Eu não preciso que o Porto ganhe sempre para saber que é o melhor clube do mundo." É a magia do futebol e da pertença a um clube, só que desta vez serão os outros adeptos que terão de se socorrer da sua paixão para curar as mágoas. Não sou mais portista porque o FCP ganhou, mas sabe tão bem ser campeão.