"O" Editorial

João Miguel Tavares escreveu ontem mais uma crónica sobre mim, no Público. Ao seu estilo, não escreveu sobre mim, tentou fazer de mim um degrau. Não me queixo, sou maior. Se ele me quiser levar com ele, para umas migalhas de fama sua, a um gabinete de primeiro-ministro, não deixo. Felizmente, posso, sou maior. E é prudente sê-lo quando se convive com JMT, que tenta fazer dos outros, quem quer que seja, um degrau.

JMT tem um fundo de comércio, José Sócrates, e explora-o até ao tutano. Ontem, fez-me dano colateral. Em escutas feitas a Sócrates, em 2014, em conversa onde não estou, nem falo, nem ouço, e que não soube ter acontecido senão dois anos depois, o ex-primeiro-ministro fala de mim para diretor do DN. Em 2016, alguém publicou essas escutas, deixando pairar a ideia de que eu combinei um cargo com um político. Escrevi, então: "Se calhar são costume essas combinações (com político, com irmão maçon, com correligionário), não sei... Mas não para mim. Nunca quis na minha carreira profissional esta dúvida: sou o que sou graças a mim ou não?" (DN, 22-02-2016).

Nesse texto, eu escrevi também que não queria, nem sabia ser diretor do DN. Assim era em 2014 e 2016, quando ninguém me pôs a questão. Ontem, JMT lembrou o que então escrevi e perguntou: "Há pouco mais de dois anos, Ferreira Fernandes não sabia, nem queria, ser diretor do DN. O que mudou, entretanto, para passar a saber e a querer?" Respondo: "Porque agora os donos do DN me convidaram e porque agora quero." Quanto a saber ser diretor do DN, continuo sem saber se sei.

Contradições e mudanças de vontade, JMT não as entende porque o seu fundo de comércio é uma certezinha que lhe basta e o sustenta. Então, se hoje sou diretor do DN, isso só pode estar relacionado com a sugestão de Sócrates de há quatro anos. E essa certeza é alimentada pela análise que ele faz da minha atuação nos 15 dias e picos desde que sou diretor do DN: sobre o assunto, nada, nem um editorial. Não escrevi sobre Sócrates! Estranho... Aliás, um suspeito comportamento que eu já há muito evidenciava: "Ferreira Fernandes continuou a defender Sócrates já depois da prisão - até que um certo dia se calou, e não mais se lhe ouviu um pio sobre o tema", escreveu ontem JMT, deste pau-mandado que sou.

Sócrates foi preso em 22 de novembro de 2014. Dois dias depois, escrevi: "É a data em que um ex-primeiro-ministro foi detido, suspeito de não ter sido honesto com os bens que os portugueses lhe confiaram. Desta vez, a suspeita não foi destilada só em manchetes de pombos-correio, não. Daí a data ser fundamental: tem a marca da Justiça. Se a Justiça o prova, maldito seja o líder que abusou o seu país, os compatriotas e os seus correligionários. Se a Justiça foi irresponsável, pobre diaba que tem de ser refeita de cima a baixo" (DN, 24-11-14).

Três dias depois, escrevi: "[Até à prisão] Calúnias e não processos - contra Sócrates foi o que houve, e só. Agora, temos uma situação nova. Magistrados acusaram e um juiz considerou haver indícios para prosseguir um processo contra Sócrates. A situação nova espevitou a canalhada, por um lado, e, por outro, os cidadãos pró e os cidadãos contra Sócrates. Para com os primeiros, repito o meu desprezo. Dos segundos, pró ou contra, espero o reconhecimento trivialmente democrático: cabe aos juízes julgar" (DN, 27-11-14).

Seis meses passados, escrevi: "De novo, sabemos porque o próprio Sócrates o disse, ele pediu dinheiro a um amigo. Muito dinheiro. Como esse amigo teve vários negócios com o Estado quando Sócrates era governante, é legítimo que a Justiça investigue. (...) Com este caso Sócrates, temos até agora, patenteadas, duas situações graves: a lentidão da Justiça e Sócrates ter mentido. Nada de novo, já conhecemos o mesmo noutras circunstâncias e com outros protagonistas. Mas pode vir a acontecer uma de duas situações bem mais graves: ou a Justiça não conseguir produzir prova, depois do estardalhaço que fez com a detenção, ou um ex-primeiro-ministro ser condenado por corrupção. E, sobretudo, acontece já uma situação iníqua: a Justiça fornece informações inquinadas aos jornais. Também não é novo" (DN, 17-06-15).

No fim do primeiro ano de prisão, escrevi: "Dizia-se que este era o ano em que ou se provava alguma coisa contra o ex-primeiro-ministro ou se provava que certos magistrados foram irresponsáveis. Errado. Essa alternativa, "ou, ou", foi derrotada. Nesta matéria, 2015 não foi adversativo, foi o ano da copulativa "e"! Sócrates suicidou-se como político "e" magistrados desonraram-se como defensores da lei. Cada entrevista de José Sócrates desautorizou-o como político, por causa do tipo de relação, revelado pelas suas próprias palavras, que ele tinha com o dinheiro de um amigo com negócios com o Estado; "e" cada capa dos jornais com fugas de informação desautorizou a investigação. Essa copulativa que os acasalou, Justiça/Sócrates, pariu um manto turvo sobre a sociedade. Note-se, ainda, que não se fala aqui do processo, porque desconhecemos, todos, tudo. Falo das palavras públicas de Sócrates e dos métodos manhosos da investigação. Ambos exemplificando factos lamentáveis, qualquer que seja o desfecho judicial" (DN, 19-12-2015).

E todos os demais textos meus - ao contrário do "calou-se, e não mais se lhe ouviu um pio sobre o tema", ontem garantido por JMT - foram pautados pelo mesmo respeito pelos homens e pela justiça. E para mudar de homem (JMT chama-lhe "tema"), cito outro texto meu sobre a indecência de se passar nas tevês, os gestos, a voz e os olhares de um homem a ser filmado nos interrogatórios: "Custo da badalhoquice: uma multa. O que não vale nada para os ladrões de alma", escrevi. E não era sobre a indecência da SIC, esta semana, nem era sobre a Operação Marquês. Era sobre Miguel Macedo, ministro do PSD e vítima do abuso, a quem pedi "desculpa pela parte que me cabe por ser português." Já tremo por JMT desencantar, um dia destes, uma escuta de Miguel Macedo a arranjar-me emprego.

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