Tostões e milhões. Políticos e corrupção
Um político de mão aberta a receber envelopes com dinheiro de um traficante de armas é uma cena pouco edificante mas dá sempre um enredo interessante. Facilmente o cinema na nossa cabeça projeta imagens para ilustrar a história: um país tropical na América do Sul, o político sentado a uma grande secretária a esfregar as mãos, o traficante com um charuto na boca e um embrulho de papel cheio de notas debaixo do braço. Assim ou parecido. Ninguém imagina o austero ex-ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, numa transação monetária deste tipo. Mas isso aconteceu e foi na Alemanha. Schäuble defendeu-se dizendo que se tratava de um donativo para o seu partido, apesar de na tesouraria do partido não haver registo da entrada desse dinheiro, aproximadamente 50 mil euros. A carreira política de Schäuble sofreu. Só depois de uns anos voltou à política para ensinar os países do Sul a gerir as suas finanças. Um outro político e ex-membro do governo de Berlim tomou uma opção mais radical. Alvo de investigação por suspeita de corrupção, saltou de paraquedas. Não puxou o cordel para o abrir e resolveu todos os seus problemas legais e outros. Há não muito tempo, o presidente da República da Alemanha recebeu um empréstimo de um empresário, muito seu amigo, para comprar casa. Acabou por ter de se demitir. Mais esperto terá sido o ex-chanceler Gerhard Schröder. Para quê esconder envelopes e luvas?
Hoje Schröder preside à maior multinacional russa, a convite de Putin, e ganha rios de dinheiro. Provavelmente terá aprendido com o ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que foi fazer o mesmo para o mais poderoso banco do mundo. As más-línguas insinuam que ambos se limitaram a esperar para cobrar os favores que fizeram aos seus atuais patrões.
Um pouco mais acima ou mais abaixo nos índices internacionais de corrupção, a verdade é que as diferenças entre a Alemanha e Portugal não são assim tão grandes. Só as somas tendem a ser maiores em Portugal. Isso mostra que os portugueses sabem fazer as coisas à grande e à francesa. Recorde-se o caso do ex-presidente francês corrompido com diamantes oferecidos por um "cleptocrata"" africano - confrontado, respondeu que não era verdade e que o valor dos diamantes era muito inferior ao que a imprensa dizia. Já em Portugal seria bastante deselegante falar na mesma frase de ex-presidentes e diamantes.
Um ex-primeiro-ministro acusado de aproximadamente 30 crimes no valor de 30 milhões não é vulgar em nenhum país do mundo. Dá quase um milhão por crime. Mas 30 milhões não é muito na ótica da acusação: uma quinta aqui, um apartamento ali, três ou quatro amigas com necessidades, o dinheiro voa. Schäuble com o seu envelope de 50 mil euros fica a parecer um pequeno pateta. Claro que há sempre quem se abotoe com mais. Porque é que o Ministério Público não abre processos aos ex-ministros e ao ex-presidente que estiveram envolvidos na falência de um banco, de onde desaparecerem não milhões, mas muitos milhares de milhões de euros? E algum diretor de jornal destacou equipas de jornalistas para investigar o nível de vida de outros titulares de cargos públicos, para saber onde têm casas, quintas ou palacetes? No negócio dos submarinos, comprados pelo Estado Português, por exemplo, que envolveu milhões em "comissões", foram apanhados na Alemanha os empresários que corromperam políticos em Portugal. Mas em Portugal não se apanhou ninguém. A justiça é mesmo assim, não pode processar todos, escolhe alguns para dissuadir os outros. Assim caiu com todo o seu peso em cima dum pobre ex-primeiro-ministro que vive duma pequena reforma e de empréstimos de amigos. Neste verão, depois de uma conferência, dei uma boleia no meu carro a José Sócrates. Sentado ao meu lado batia furiosamente com as mãos no tablier. Que era ilegal o tempo que estava a ser investigado. Estive para lhe dizer que, na Alemanha, onde o Ministério Público não tem qualquer prazo-limite para a fase de inquérito, as penas tendem a ser suavizadas pelos juízes, quando os processos demoram mais do que o normal. Mas não me pareceu que fosse altura para fazer conversa e tive algum receio pelo para-brisas.
Correspondente do Der Freitag e colunista do Portugal Post