Quem são os brasileiros que desejam viver em Portugal
Embora ande afastada do jornalismo, pois neste momento tenho-me dedicado ao estudo das migrações, não posso deixar de olhar para as dezenas de notícias que têm referido a intensificação do fluxo migratório de brasileiros para Portugal e não me manifestar. Hoje, ao mesmo tempo que algumas notícias referem um aumento nos pedidos de visto de brasileiros para estudar em Portugal (com que eu particularmente concordo, pois vai ao encontro aos resultados dos meus estudos), outras referem que está a caminho um "novo fluxo de emigrantes brasileiros ilegais". Mas, afinal, quem são os brasileiros que estão a vir para Portugal?
Para responder a esta questão torna-se imperioso entender o que está acontecendo no Brasil. Estive lá recentemente e, apesar de o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com base em dados de 2015, ter revelado que as desigualdades sociais aumentaram naquele país, confesso que não tinha a noção de quanto! Sou natural de Campinas, uma cidade do interior do Estado de São Paulo, que segundo um estudo elaborado pela Delta Economics & Finance (o qual utilizou dados do Censo brasileiro de 2010), encontrava-se em quinto lugar entre os cem melhores municípios do Brasil para se viver. Talvez por isso, até dezembro do ano passado (última vez em que lá havia estado) não presenciei o que testemunhei agora: famílias inteiras a viver, com os poucos pertences que lhes restaram, nas ruas do centro da cidade. Ou seja, se em dezembro de 2016 a miséria ainda não "gritava" pelas ruas de Campinas, seis meses depois o tema de conversa num dos mais emblemáticos cafés da cidade, o Café Regina, metamorfoseou-se na perceção de uma pobreza estampada e nada envergonhada. Enfim, a crise económica também chegou a um dos "melhores municípios do Brasil", e a ela costuma-se associar o desejo de abandonar a cidade, e até mesmo o país.
De facto, vivo em Portugal há 17 anos, e nunca, tantos campineiros, com os perfis mais variados possíveis (de género, faixa etária, classe social, nível educacional, etc.), me procuraram com interesse de mudar-se para cá. Desde uma jovem com dois filhos, que queria saber se Portugal é um lugar melhor para criá-los, passando por alguém em idade ativa, que gostaria de saber se é fácil conseguir trabalho em Portugal, até um aposentado, que pretendia saber se é possível viver com a sua reforma cá. Também não poderia esquecer de um rapaz, com dupla nacionalidade, interessado em saber como tirar o Número de Contribuinte em Portugal, além de um jovem universitário que demonstrou interesse em vir estudar cá.
Enfim... parece que brasileiros, com aspirações bastante diferentes, têm "despertado" para uma possibilidade de mudança, e que não é só a crise económica, mas sim diversos fatores (melhor qualidade de vida, menos violência, melhor educação, mais facilidade em obter-se a nacionalidade), além de melhores oportunidades profissionais e financeiras, que têm contribuído para a intensificação deste fluxo migratório. Como já haviam alertado alguns teóricos das migrações, as razões para migrar não mais obedecem a um critério estritamente económico. E, no caso dos brasileiros, uma das razões que parecem ser transversais a toda a nação prende-se com a perda momentânea da identidade nacional, provocada pelo enfraquecimento da autoestima. Ou seja, quanto menos se acredita no país, mais se deseja ir embora.
Assim, Portugal, que já havia recebido imigrantes brasileiros qualificados em meados dos anos 1980, e menos qualificados (laborais) nos finais dos anos 1990, hoje assiste a um fluxo tanto dos menos qualificados (muitos dos quais já cá haviam estado, mas retornaram ao Brasil num tempo em que a autoestima estava fortalecida) quanto dos mais qualificados (estudantes, aposentados, profissionais liberais pertencentes a uma classe média alta), sem falar daqueles que têm obtido o visto gold para aqui investirem... No entanto, se é possível falar num "novo fluxo migratório", só o tempo e estudos mais fundamentados poderão dizer.
* Jornalista, Doutoranda em Migrações pelo IGOT - Univ. Lisboa