A crise do euro está longe de terminada: O que a UE podia ter aprendido com a Grécia – e não aprendeu
No final, ministros e comissários falaram como se fossem novamente bons europeus.
Foi «um dia histórico para a zona euro», de acordo com Pierre Moscovici, Comissário da UE para a União Monetária, que acrescentou que «a crise faz agora parte do passado».
«Terminou», confirmou o ministro português das Finanças, Mário Centeno, atual presidente do Eurogrupo. «Com a nossa solidariedade, foi um êxito», corroborou o seu homólogo alemão, Olaf Scholz, enquanto o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, declarou que «a Europa devia estar orgulhosa da sua moeda comum».
Com estes autoelogios coletivos, os dirigentes da zona euro festejaram recentemente o final do seu programa de crise para a super endividada Grécia (terminou a 20 de agosto). Em Atenas, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, até usou excecionalmente uma gravata especial para assinalar o «histórico acontecimento».
Mas toda esta encenação não foi mais do que um bluff. Na verdade, não há nada para celebrar.
Pelo contrário: a Grécia está economicamente arruinada e não tem nenhuma hipótese de escapar aos ditames dos seus credores. Contrariando o aviso dos peritos do Fundo Monetário Internacional, os termos obrigaram a reduzir em um terço os gastos governamentais em apenas quatro anos, provocando assim a recessão mais grave que algum país já sofreu em tempo de paz. Como consequência, um quinto da população ficou em situação de desemprego, mais de 300.000 gregos emigraram e a dívida aumentou para 180 por cento dos resultados económicos.
Mas, em vez de permitirem um recomeço através de um corte da dívida, os emprestadores adiaram simplesmente o seu pagamento e obrigaram o Estado grego a comprometer-se a gerar um excedente de receita de 2,2 por cento dos resultados económicos durante mais 42 anos - uma ideia absurdamente irrealista, na opinião de todos os peritos independentes.
Ainda mais grave do que a negligência que levou ao empobrecimento da Grécia é um outro fracasso: os governos da zona euro não eliminaram a causa que esteve na origem da crise. A união monetária da Europa continua ameaçada de colapso e hoje ainda mais do quando a crise principiou há oito anos.
A razão para tal reside numa contradição fundamental na constituição do euro: os 19 países participantes partilham uma moeda, mas gerem separadamente os seus orçamentos nacionais e cada um segue a respetiva política económica nacional. Além disso, o Banco Central Europeu não serve automaticamente de «crédito ou emprestador de último recurso», que mantém a liquidez do orçamento de Estado em caso de crise, como é habitual em todo o mundo. Como consequência disso, não existe ainda um orçamento comum nem um governo comum democraticamente eleito da zona euro. A UE carece assim da instituição absolutamente necessária para representar o bem comum da união monetária como um todo e traçar uma política que seja partilhada pelos cidadãos de todos os países-membros.
Na base desta construção errada está o Artigo 125.1 do Tratado da UE, que diz que «a União não é responsável pelos compromissos dos governos centrais, o que se aplica igualmente aos Estados-membros entre si mesmos. Ao mesmo tempo, os fundadores do euro prometeram limitar a dívida nacional a 60 por cento e o défice anual a 3 por cento dos resultados económicos.
Acima de tudo, esta «cláusula de não-resgate de ajuda» destinava-se a tranquilizar o eleitorado conservador alemão. Existia também a esperança de que as normas comuns compensassem a falta de um governo conjunto. Mas foi esta cláusula que plantou a semente da decadência agora iminente. Porque a construção cria entre os cidadãos a ilusão perniciosa de que a união monetária é viável sem uma perda de poder por parte dos governos nacionais, quando na realidade é o oposto o que acontece.
A natureza contraproducente de tudo isto fica claramente demonstrada quando se compara com a maneira como os EUA lidam com a dívida pública.
Os orçamentos públicos dos Estados Unidos estão no vermelho a 105 por cento dos resultados económicos anuais. É muito, e no entanto ninguém teme que o governo norte-americano não honre sequer uma única das obrigações emitidas. Não apenas dispõe da soberania fiscal para gerar os rendimentos necessários, como a Reserva Federal garante igualmente todos os pagamentos.
Isto faz das obrigações dos EUA o epítome de um investimento seguro - ainda que o presidente seja um caos. Pelo contrário, a zona euro no seu conjunto está muito menos endividada - em 86 por cento do seu produto interno bruto e nem sequer devia ter um problema de dívida. Mas, devido ao facto de os países do euro operarem individualmente no mercado de capitais, os bancos e os fundos podem especular contra os países do euro mais fortemente endividados fazendo subir a um tal nível as taxas de juros para renovar as obrigações governamentais que as advertências acerca da bancarrota se transformam numa profecia que se cumpre.
Foi isto exatamente o que aconteceu na primavera de 2010 na Grécia e, pouco depois, na Irlanda, Portugal e Espanha. Um incumprimento por parte de um só destes países teria levado a um novo colapso dos bancos europeus, apenas dois anos depois da falência do Lehman, porque tinham investido fortemente nestes países.
Foi por isso que os dirigentes da zona euro, liderados pela chanceler alemã Angela Merkel, decidiram uma vez mais salvar os bancos concedendo aos governos envolvidos mais de 400.000 milhões de euros em empréstimos de emergência para pagarem aos credores.
Mas não quiseram admitir isso perante o eleitorado
Afinal, o primeiro resgate de um banco já tinha custado à volta de um bilião de euros de dinheiros públicos. Foi por isso que Merkel e os seus homólogos classificaram o resgate de «solidariedade» e «salvação» e, apesar da responsabilidade conjunta de todos os governos do euro, sobrecarregaram unicamente os Estados em crise com o fardo total dos empréstimos - um erro fatal.
Sem nenhuma consulta pública, e sem sequer perguntarem ao Parlamento Europeu, a zona euro foi dotada com mais uma forma de governo - o «Eurogrupo» dos ministros das finanças - dos Estados que integram a união monetária.
Mas este órgão é apenas informal, não é eleito a nível de toda a UE e não é responsável perante todos os cidadãos da UE ao mesmo tempo. Não existem sequer atas publicamente disponíveis das suas reuniões. Em vez disso, os ministros e os burocratas por eles autorizados aplicam o direito do mais forte numa área onde não existe a democracia: os credores contra os devedores e os países economicamente excedentários contra os países deficitários.
Este desequilíbrio de poder é também a causa da determinação de toda a união monetária de prosseguir com um modelo económico insustentável - aquele em que todos os Estados-membros devem seguir o modelo alemão de salários mais baixos, aumento das exportações e redução das despesas governamentais. Mas isto apenas funcionou nos anos de crise da Alemanha porque os outros Estados do euro não adotaram este modelo e - com o apoio de empréstimos da Alemanha - fomentaram a economia alemã através das importações que faziam.
Porém, aplicado a toda a União, este modelo conduz a uma corrida em direção ao fundo e força os países mais fracos à estagnação devido à falta de procura. Ao mesmo tempo, o governo alemão arrecadou já mais de 100.000 milhões de euros só em poupança de juros resultante da fuga de capitais dos países do Mediterrâneo e receitas de juros dos empréstimos de emergência. Não se perspetiva um fim para esta evolução destruidora. Em vez de juntar os «povos da Europa» numa «união ainda mais estreita», como está acordado, a união monetária na sua forma atual divide os seus membros em ganhadores e perdedores.
Isto transforma a Itália numa bomba de relógio política para o euro. Durante dez anos, interrompidos apenas pelos dois anos que se seguiram à crise bancária, o governo cumpriu estritamente a rega do défice. Mas este facto conduziu a uma falta de fundos para o tão necessário investimento na educação, tecnologia e infraestruturas, sem as quais o país continua a ficar cada vez mais para trás - e a UE é incapaz de uma ajuda eficaz devido à falta de um orçamento suficiente. Não admira que os cidadãos se tenham rebelado contra o que perceberam ser um ditame de Berlim e tenham elegido os imprevisíveis rebeldes do Movimento 5 e o partido radical de direita Liga para constituírem governo.
O sociólogo e mentor da integração europeia Jürgen Habermas reconhece que este é um padrão recorrente em toda a Europa. «O desapontamento palpável é que a UE, no seu estado atual, carece de capacidade para agir no sentido de contrariar a crescente desigualdade social dentro de cada um e entre os Estados-membros que é a causa subjacente do retrocesso político», afirmou.
«O populismo de direita deve-se principalmente à perceção generalizada de que a UE tem falta de vontade política para se tornar capaz de agir.»
Mas recuar está fora de questão. Somente a moeda única já levou demasiado longe a integração económica.
Milhares de empresas apenas podem distribuir os seus produtos além-fronteiras porque não existe um risco monetário. Para isso, já foram firmados milhões de contratos transfronteiriços assentes no pagamento em euros. Isto é acompanhado de créditos sobre os bancos e fundos no valor de biliões. O seu valor estaria, de uma só vez, em disputa se os devedores subitamente quisessem pagar noutra moeda.
«Uma dissolução da união monetária conduziria de facto a Europa a uma guerra económica», prevê o economista austríaco Stephan Schulmeister. Ninguém ganharia, toda a gente ficaria globalmente mais pobre e isso «desencadearia uma cólera que se voltaria principalmente contra a Alemanha».
Uma «União do Euro capaz de agir seria a única força concebível para travar a destruição do nosso tão falado modelo social», adverte Habermas. Para tal, a UE tem de estar «equipada com competências e recursos orçamentais para intervir no sentido de impedir mais divergências entre os Estados-membros», pediu. Unicamente desta maneira poderiam «os membros mais fortes económica e politicamente redimir a promessa quebrada de uma moeda comum que permita alcançar desenvolvimentos económicos convergentes».
E, durante alguns meses do ano passado, pareceu que esta visão poderia concretizar-se. Com Emmanuel Macron em França, um presidente entrou na cena europeia como nunca acontecera antes. Pela primeira vez, um político destacado da UE reconheceu que a falta de democracia e a falta de uma autoridade central efetiva ameaçavam o projeto europeu. Muitos cidadãos tinham voltado às costas à unificação europeia «porque não eram ouvidos», disse ele. Por isso, «os europeus devem ter a coragem de redescobrir o caminho da democracia» e «não com os tecnocratas» a negociarem contratos «secretamente na sala do fundo».
Tal como Habermas, apelou a um orçamento da zona euro de «vários por cento dos resultados económicos», um múltiplo do atual orçamento da UE, para esta poder combater sozinha futuras crises económicas. Isto exigiria um ministro das Finanças europeu e um parlamento da zona euro «que criassem uma responsabilização democrática», afirmou, confessando com uma sinceridade revolucionária a natureza antidemocrática do atual regime do euro.
Mas, se a campanha de Macron para uma «refundação» da Europa foi cativante, já de vistas curtas foram a chanceler alemã Merkel e os seus cogovernantes sociais-democratas, que rejeitaram todos os planos de Macron para não privar os seus eleitores da ilusão tóxica de uma autodeterminação nacional que já não existe.
Apenas querem apoiar um orçamento suplementar para investimentos de uma dimensão simbólica. Pior ainda, na última cimeira da UE, Merkel e os seus apoiantes insistiram até em que a gestão da crise da zona do euro devia continuar a pertencer aos tecnocratas não-eleitos do fundo de empréstimos do euro, o MEE, que não são responsáveis perante nenhum parlamento. Nada vai alterar-se na constituição do euro.
«A continuação do status quo é sinónimo de dissolução do euro dentro de dez anos», advertiu Macron em janeiro de 2017.
Com o estado de coisas atual, pode muito bem ter razão.