"Fake news" e mentiras à portuguesa

As fake news não foram inventadas pelas rede sociais, nem pelos serviços de propaganda russos ou presidentes norte-americanos. Cada povo tem a sua tradição de falsas notícias. Famosa, porque tão reveladora, a história de fake news de Marcelo Rebelo de Sousa, que, para colocar notícias falsas na imprensa, terá enganado Paulo Portas - afirma este - com um jantar e conversas confidenciais inventadas.

Para tornar a "notícia" mais verosímil, Portas diz que Rebelo de Sousa terá ido ao ponto de inventar que fora servida vichyssoise, uma sopa fria de alho francês. Vingança fria, Paulo Portas acusa Rebelo de Sousa, até aí sua fonte, de mentir para criar "notícias falsas". Invulgar nesta história é sobretudo ter sido tornada pública e alguém tentar instrumentalizar uma fake news, verdadeira ou inventada.

Rebelo de Sousa e Portas foram, em momentos diferentes, ambos diretores dos jornais mais influentes do país. Ambos se tornaram políticos de primeira linha. No jornalismo como na política as notícias e os factos são por natureza muito relativos.

No futebol, por exemplo, a verdade é igualmente relativa. Basta ouvir as versões de adeptos depois de um jogo. A verdade de um é a mentira do outro. Mas o futebol é circo. As grandes ambições jogam-se no palco político e nos negócios empresariais e financeiros.

Fake news têm vários graus de falsidade. A primeira fake news que li na imprensa, quando comecei a trabalhar como jornalista, foi de António Guterres, que, quando eleito primeiro-ministro há duas décadas, anunciou o fim dos "recibos verdes". Hoje, dar a notícia de que o desemprego diminuiu como um sucesso, quando meio milhão de portugueses tiveram de emigrar e as empresas estão a abater empregos de 1500 euros para contratar a 500 euros, é mais facto ou mais fake news à portuguesa?

Depois de uma era de jornalistas e diretores de jornais cheios de ambições políticas, os Portas ou Rebelos de Sousa, em Portugal as administrações começaram a promover os jornalistas de pequenas ambições, mais de natureza económica. Como acontece no resto da sociedade, também na imprensa a componente política teve de se subordinar aos interesses financeiros. Os diretores deixaram de ser personagens políticas e começaram, em muitos casos, a ser "funcionários de carreira jornalística" à espera de chegar a um cargo num grupo empresarial ou numa fundação e que, pelo caminho, vão colocando as fake news necessárias.

Ao longo de mais de 20 anos, antes de ir para a Alemanha como redator de uma revista em Frankfurt e colunista de um jornal diário de Berlim, trabalhei em Portugal para o Expresso e o Independente, para o Correio da Manhã e para quase todos os jornais e revistas da imprensa económica. A principal diferença entre os dois países é o grau de autonomia das redações face à administração e, logo, a forma como se lida com as fake news.

Em Portugal, no - à época - principal jornal económico do país, assisti a um diretor que entrava pela redação e mandava os jornalistas a recibo verde fugir pelas escadas de incêndio, porque estava a entrar no edifício uma inspeção de trabalho. O mesmo diretor, que mais tarde foi trabalhar para a PT, sempre que uma pequena revista do mesmo grupo escrevia um artigo crítico sobre a PT aparecia, esbaforido, a dizer que assim não dava, que íamos ter problemas. E os problemas vieram: a pequena mas rentável revista foi fechada e todos os jornalistas despedidos. Ricardo Espírito Santo Salgado queixara-se à administração por a revista retratar os banqueiros "como se fôssemos vigaristas". E que, se a revista continuasse, tirava a publicidade aos outros jornais do grupo. O jornalismo crítico vende pouco em Portugal.

Ao contrário das redes sociais, os jornais têm de gerir hoje com muito mais cuidado do que até agora a sua credibilidade. Caso contrário, perdem os últimos leitores. A divulgação em massa de fake news no Twitter e no Facebook é a última grande oportunidade para a imprensa tradicional.

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