Eutanásia: passo estugado no caminho errado
Mais uma vez a reboque do Bloco, a eutanásia voltou à ordem do dia. Os entusiastas desta panaceia pretendem que, já nesta legislatura, o Parlamento aprove uma lei para institucionalizar tal prática.
Compreende-se a pressa, uma vez que a actual composição da Assembleia da República, com maioria de esquerda, parece facilitar o objectivo do BE. Todavia, esquecem-se aspectos de importância capital, que recomendariam prudência e, definitivamente, uma outra escolha.
Desde logo, falece legitimidade política ao Parlamento para aprovar uma lei sobre um tema tão controvertido como o que aqui está em causa, dado que esta temática não foi objecto da maior parte dos programas eleitorais dos partidos políticos com assento parlamentar, nem consequentemente debatida durante a campanha das últimas eleições legislativas. Alguém suscitou este tema?...
Por outro lado, olvida-se o facto de serem pouquíssimos os países em que a eutanásia é permitida (unicamente quatro na Europa a 28), sucedendo-se os relatos de episódios insólitos sobre o uso abusivo deste suicídio medicamente assistido, nos sítios onde esta prática foi autorizada.
Acresce que a evolução dos cuidados paliativos foi de tal sorte significativa nos últimos anos, que é possível, nos dias que correm, ter níveis de apoio e conforto físico e psíquico, na fase final das nossas vidas, com uma sofisticação inimaginável há poucas décadas. Exigia-se, portanto, maior ponderação na vontade de legitimar uma prática cuja bondade ainda suscita tantas interrogações.
De resto, é preocupante antevermos a criação de uma fast track para a morte assistida, ao mesmo tempo que se prefigura o surgimento de uma espécie de subsistema nacional de saúde para a ajuda ao suicídio...
Além do que fica dito, há sérios problemas jurídicos à luz da nossa Constituição. Em poucas palavras e simplificando, diria que temos aqui uma evidente restrição do principal dos direitos fundamentais consagrados na Lei Fundamental pátria: a inviolabilidade da vida humana.
Sucede que, nos termos da própria Constituição, as restrições aos direitos fundamentais são condicionadas pelo chamado "teste da proporcionalidade", ou seja, se a medida restritiva não for proporcionada, leia-se, necessária e adequada, ela será inconstitucional. Ora, havendo uma alternativa reconhecidamente aceite como credível pela classe médica - os ditos cuidados paliativos - a aprovação de uma lei que inaugure a eutanásia será inconstitucional.
Num outro plano, considero que os deputados estão inibidos de legislar sobre o conceito de "acto médico", modelando-o, aliás, adulterando-o, de tal forma que ele passe a albergar a ajuda ao suicídio aos pacientes que o peçam: essa competência é exclusiva da Ordem dos Médicos, cujo Código Deontológico (revisto recentemente, em 2016) continua a proibir, de forma expressa, a eutanásia. Legislar sobre as leges artis da actividade médica em matéria desta sensibilidade corresponderia a uma invasão - inconstitucional - da esfera própria de competências da Associação Pública que é a Ordem dos Médicos.
Teríamos, de um outro ângulo, uma inaceitável usurpação de poderes. Ou poderá o legislador colocar a medicina ao serviço de uma morte assistida, ao arrepio da secular deontologia médica?
Tudo converge, pois, para a escolha de um outro caminho: o repúdio da eutanásia e a disseminação dos cuidados paliativos para a generalidade da população.
Advogado