A absolvição de Jean Pierre Bemba e a responsabilidade do superior

A 21 de março de 2016, uma das Salas de Primeira Instância do Tribunal Penal Internacional (TPI) condenou o político congolês Jean Pierre Bemba por crimes de guerra (homicídio, violação e pilhagem) e por crimes contra a humanidade (homicídio e violação) cometidos pelas suas tropas na República Centro-Africana entre 2002 e 2003, invocando a figura da responsabilidade do superior. Em virtude desta forma de imputação, contemplada no artigo 28.º do Estatuto de Roma do TPI, o superior militar ou civil pode responder por atos dos seus subordinados, em caso de não exercer um controlo efetivo sobre aqueles, quando tinha conhecimento ou deveria ter dos atos criminosos e não tenha tomado as medidas necessárias e razoáveis para os prevenir ou punir.

A 8 de junho passado, Bemba foi absolvido pela Sala de Recurso do TPI. A votação dos juízes foi renhida: três deles (Morrison, do Reino Unido, van den Wyngaert da Bélgica e o atual presidente do TPI Eboe-Osuji da Nigéria) não confirmaram a condenação a 18 anos de prisão da Sala de Primeira Instância, ao passo que dois deles (Hofmański da Polónia e Monageng do Botswana) concordaram com a decisão recorrida e quiseram mantê-la. A decisão contém 80 páginas. Apensadas à sentença estão as opiniões separadas da maioria (uma conjunta de van den Wyngaert/Morrison e outra de Eboe-Osuji, publicada posteriormente a 15 de junho), assim como a declaração de voto de vencido - que apoia a sentença da primeira instância - dos juízes que compõem a minoria.

Ora, em que se fundamenta a revogação da sentença da primeira instância? A opinião da maioria baseia-se, por um lado, em considerações processuais probatórias relativas à delimitação das imputações e, por outro lado, em uma interpretação restritiva da responsabilidade do superior no que toca às medidas de prevenção e repressão (doravante: contramedidas) que devem ser adotadas pelo comandante face aos delitos dos respetivos subordinados. Uma vez que apenas o último tema é relevante para processos a nível nacional, só a este nos limitaremos.

Ainda que seja a primeira vez em que o TPI se debruçou sobre a figura da responsabilidade do superior, no entanto, contra a expectativa generalizada (sobretudo nos setores militares e na NATO), a Sala de Recurso não estabeleceu uma interpretação completa, nem definitiva a este respeito. A Sala examinou a responsabilidade de Bemba relativamente a 26 factos cometidos pelos respetivos subordinados (um homicídio, vinte violações e cinco pilhagens), que considerou devidamente provados. A Sala considerou que o principal problema da sua responsabilidade como superior tinha a ver com a avaliação das medidas adotadas por Bemba. Em suma, a maioria dos juízes considerou que estas tinham sido necessárias e razoáveis, ao contrário da decisão da primeira instância e da opinião minoritária. De facto, assumindo esta posição, a maioria defende exigências realistas em relação ao superior: Bemba encontrava-se afastado do lugar dos factos ("remote commander"), não tinha um controlo firme sobre suas tropas, uma vez que estas atuavam em território estrangeiro e como parte de uma força armada estrangeira, e não tinha a possibilidade de fiscalizar a execução das medidas de controlo, pelo que não se lhe pode atribuir uma deficiente execução das mesmas.

Consequentemente, é correto concluir de forma geral, para além das circunstâncias do caso, que não se pode exigir a um superior o impossível, nem tão-pouco qualquer tipo de contramedidas inimagináveis. Antes devem determinar-se as contramedidas viáveis e expectáveis ex ante no que respeita aos crimes concretamente verificados e às circunstâncias operacionais. O ónus da prova cabe à Sala de Julgamento e impõe a aplicação de um critério de diligência razoável ("reasonable diligent") em relação à atuação do comandante. Contramedidas que perante uma "onda de criminalidade" parecem insuficientes podem mostrar-se suficientes face a determinados crimes. As motivações para a realização de determinadas contramedidas podem indubitavelmente apoiar a boa (ou má) fé do comandante, mas a intenção de melhorar a reputação das suas tropas não é per se uma contramedida menos necessária ou razoável. Concretamente, a maioria da Sala constatou sete falhas cometidas pela Sala de Julgamento no que concerne a avaliação das contramedidas.

Da leitura detalhada destas observações, conjuntamente com as considerações obiter dos juízes Morrison e van den Wyngaert expressas na opinião separada, resulta evidente que a argumentação da defesa no sentido de uma compreensão realista da responsabilidade do superior, tendo em conta as circunstâncias operacionais concretas foi aceite, pelo menos pela maioria da Sala de Recurso. Nas opiniões dos juízes é também possível encontrar uma observação adicional relativa à responsabilidade do superior, concretamente sobre o requisito de controlo efetivo do superior: só pode exercê-lo, em sentido estrito, um comandante sobre soldados sob a sua dependência direta ("immediate command") e o superior pode no máximo e somente ser responsável pela sua falta de supervisão. Também se faz referência ao controvertido requisito do nexo de causalidade entre a falta de supervisão do superior e os crimes dos subordinados, rejeitado pela maioria, mas apoiado na declaração de voto vencido. De qualquer modo, tais observações adicionais, fora da própria sentença, têm apenas importância académica, uma vez que representam um mero obiter e não obtiveram consenso entre os magistrados.

A absolvição de Bemba teve um forte e imediato impacto, inclusivamente dentro do próprio TPI. Pouco depois da sentença absolutória da sala de Recursos, a 13 de junho, a Procuradora do TPI, Fatou Bensouda, publicou um comunicado a criticar a decisão, em particular os juízes da maioria. Esta reação ex post facto foi recebida com grande surpresa e até rejeição nos círculos da justiça penal internacional. De facto, o próprio Presidente do Tribunal, o Juiz Eboe-Osuji, reagiu através da publicação de um comunicado logo no dia seguinte, recordando que "todas as sentenças e decisões dos magistrados do Tribunal são tomadas tendo por base o princípio fundamental da independência judicial" e acrescentado que estes cumprem os seus deveres "honrosa, fiel, imparcial e conscienciosamente" e que espera que todas as partes, inclusivamente o gabinete da Procuradora, respeitem igualmente estes princípios.

Prof. Dr. Dr. h.c. Kai Ambos é Professor na Georg-August-Universität Göttingen e Diretor Geral do Centro de Estudos em Direito Penal e Processo Criminal Latino-Americano (CEDPAL) da mesma universidade. É também Magistrado do Tribunal Especial para o Kosovo, Haia e amicus curiae da Jurisdição Especial para a Paz, Bogotá, Colômbia. Foi membro da equipa de defesa de Bemba durante a fase de recurso, contudo, expressa neste artigo a sua opinião pessoal. O Autor agradece a Carlos Guillermo Castro (Prof. Universidad del Rosario, Bogotá) e Susann Aboueldahab (CEDPAL) a colaboração na elaboração deste artigo e a Inês Freixo pela tradução para português.

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