Justiça, senhores, Justiça!

As notícias relativas à justiça vão-se sucedendo. Em geral, não são boas. As dos atrasos dos processos são as mais frequentes e as que mais protestos suscitam. São 700 dias por processo, em média, três vezes mais do que na Espanha! Mas há mais. Em particular a luta corporativa e política que atravessa o mundo judiciário.

Segundo os jornais, o director nacional da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, apresentou queixa, no Conselho Superior de Magistratura, contra o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, por este ter "violado os deveres de correcção, imparcialidade e reserva". Repita-se: o principal responsável pela polícia criminal processou o principal responsável pela instrução criminal e acusou-o de "desconhecer a lei".

Também segundo os jornais, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, determinou mais um adiamento do prazo estabelecido para terminar a investigação do processo José Sócrates, enquadrado na Operação Marquês. Desta vez trata-se de um adiamento sem prazo, ou antes, de um adiamento com prazo condicionado por um factor incerto.

Há poucas semanas, um despacho de arquivamento do processo Dias Loureiro trouxe novidades à prática judicial portuguesa. Não sabemos se será criada ou não uma nova tradição de, em despacho de arquivamento, proferir acusações, levantar suspeitas e exprimir acusações implícitas. Mas é uma novidade.

Todas as semanas os jornais e as televisões enchem-se com casos de justiça. É um dos campos mais férteis. Além dos crimes de sangue e sexo, o que atrai multidões é o crime económico, a corrupção dos políticos e a fraude dos banqueiros. Resume-se em poucas linhas o que se diz da justiça no nosso país. O país é pobre. Os portugueses invejosos. O povo inculto. Os ricos poderosos. Os políticos desavergonhados. Os juízes incompetentes. As polícias corruptas. A justiça burocrática. O Ministério Público prepotente. Os advogados gananciosos. E os jornalistas safados.

Nos estudos de opinião, os magistrados e os tribunais aparecem hoje quase sempre em último lugar nas preferências dos cidadãos. Depois dos políticos e dos deputados! Depois dos ricos e dos empresários! Depois dos advogados e dos jornalistas!

Quase todos os processos relativos a fortunas, bancos, corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais demoram, duram, atrasam-se e arrastam-se penosamente, para alegria de todos quantos se entusiasmam com as fugas de informação e as violações de segredo de justiça.

Vivemos tempos confrangedores. Criticar os atrasos da investigação no caso Sócrates é ser amigo de Sócrates. Eventualmente cúmplice. Protestar contra os despachos no caso Dias Loureiro é ser amigo de Dias Loureiro. Eventualmente sócio. Parece que criticar o que de mal se faz no processo, na investigação e na instrução é apoiar os arguidos. Bandidos ricos e pobres são iguais para a justiça. Inocentes fracos e fortes são iguais para a justiça. O da direita e o da esquerda são iguais para a justiça. Criticar a má justiça não significa apoiar criminosos e corruptos.

Olha-se em volta à procura de quem possa ter uma acção eficaz e isenta. Conselhos, ordens, associações e sindicatos? Nem pensar. Do Parlamento nada se espera: os deputados sempre tiveram medo dos magistrados e das polícias. Por onde caminhar? Qual o caminho das pedras?

As reformas globais já não servem. Nada melhor do que uma reforma integral para ficar tudo na mesma. Passo a passo, gesto a gesto, melhoramento em melhoramento, talvez...

A ministra da Justiça é uma magistrada séria e competente. Respeitada e experiente. Dela nunca se receia acção que fira a independência de julgamento da magistratura. Mas dela se pode esperar que mande efectuar uma espécie de auditoria aos casos mais gritantes de atraso e incompetência. Ou que levantam fundadas dúvidas. Umas poucas dúzias de processos. Os mais complexos. Os mais notórios. Os mais atrasados.

O Presidente da República é um jurista experiente. Sempre cultivou uma ideia forte do Estado de direito e da democracia. Ele sabe o que não deve fazer. A esperança é a de que explore o que pode fazer. Por exemplo, um livro branco sobre aspectos importantes da justiça. O atraso? A desigualdade? O crime de colarinho?

A autogestão da justiça foi a pior solução inventada para fundar a independência dos tribunais. Já não é cedo para liquidar esta espécie de impunidade.

As minhas fotografias

Centro de controlo marítimo do porto de Lisboa. Da autoria do arquitecto Gonçalo Byrne, este belíssimo e estranho edifício foi inaugurado em 2001. Tem cerca de 40 metros de altura. A torre está construída sobre estacas de betão com 20 metros de comprimento. Ali se vigia e orienta a navegação marítima num raio de 16 milhas marítimas ou cerca de 30 quilómetros. É nesta torre que trabalham os pilotos da barra, designação mais antiga e interessante do que "controladores marítimos", como lhes querem chamar, por analogia com os colegas do aeroporto. Dali se controlam cerca de 2000 "objectos" em movimento nas águas do Tejo, em aproximação ou partida do porto de Lisboa. Tem carácter suficiente para ombrear com os grandes marcos deste maravilhoso estuário: a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos, o Farol do Bugio ou a Ponte sobre o Tejo.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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