Os homens da Marcha das Mulheres

"Que dia para estarmos vivos", exclamou Ted Danson, barrete cinza na cabeça, dirigindo-se à multidão em frente ao city hall de Los Angeles. "Olhem para nós! Não estamos sozinhos em casa a ver televisão, tristes e assustados com o que vemos. Estamos aqui a apoiar-nos uns aos outros." Danson, que ao lado tinha a mulher e também atriz Mary Steenburgen, foi um dos homens que falaram do palco da Marcha das Mulheres em Los Angeles, a maior de todo o país. Contas finais, 700 mil pessoas, quase tantas como a marcha inaugural do ano passado. Uma mancha a perder de vista de cartazes, barretes cor-de-rosa, bandeiras americanas, celebridades e T-shirts com a mensagem de que por estes dias ecoa em Hollywood: Time"s Up.

A marcha foi das mulheres, mas pelo menos um terço dos que marcharam foram homens. Mais do que no ano passado, arrisco a dizer. Homens de cabelos brancos empunhando cartazes anti-Trump. Homens jovens vestindo T-shirts a dizer "Igualdade" ou "O futuro é feminino". Rapazes adolescentes em grupo levantando os punhos cerrados a cada momento de oratória mais inflamada. Maridos de mão dada com as mulheres, pais com filhas ao colo, homens de raças e credos diversos. Os Sikhs de LA, envergando turbantes roxos, vermelhos e cor de laranja, montaram um stand para oferecer comida e garrafas de água a quem participava na marcha. Arroz branco e grão-de-bico com a mensagem "Os direitos das mulheres são direitos humanos", a frase que Hillary Clinton disse na China, em 1995, num discurso que se tornaria um marco para a causa feminista.

A substancial presença masculina não foi ignorada pelas muitas celebridades e ativistas que passaram pelo palco, em mais de três horas e meia de discursos em que ninguém arredou pé. "Homens, precisamos de vocês. Honramo-vos. E celebramos a glória dos homens bons", disse Mary Steenburgen. A mensagem foi repetida uma e outra vez. Mas talvez nenhum discurso masculino tenha tocado tanto a multidão quanto o de Tony Goldwyn, o ator que dá vida ao presidente dos Estados Unidos na série Scandal e que foi à marcha com uma das filhas, Anna.

Goldwyn contou como descobriu recentemente que a sua tataravó Mary foi uma das primeiras feministas americanas que em 1848 conseguiu, com o marido Nathaniel, passar na legislatura de Nova Iorque leis contra a predação sexual. Até esse momento, violação e outro tipo de violência sexual não eram crimes.

"O movimento das mulheres nunca foi só sobre as mulheres", disse Goldwyn. "Este movimento é sobre igualdade." O ator citou Martin Luther King e a promessa de cumprir a democracia para todos. "Falo por todos os homens que estão aqui hoje, estamos empenhados em acabar com a cumplicidade do silêncio perante a iniquidade e o abuso de poder, em levantarmo-nos e falarmos." O coro de palmas encorajadoras afogou, ao longe, o microfone de um homem por quem Goldwyn não falava certamente. Foi para lá dizer às mulheres liberais "assassinas" que têm de parar de matar os bebés com abortos e reconhecer Jesus na sua vida. Não era um pregar emocionado, gentil, religioso. Eram gritos furiosos, mergulhando entre o som da música que vinha de um lado e os discursos no palco do outro. As pessoas passavam sem ligar ou gritavam "tenha juízo." Algumas horas antes, empoleirado num muro não muito longe dali, um outro homem empunhava um cartaz em que se lia "Perguntem-me porque é que vocês vão parar ao inferno". Um casal de lésbicas já de certa idade envolveu-se numa discussão fervorosa com ele, que as acusou de serem uma aberração da natureza por não poderem ter filhos. Ouviram-se gargalhadas. Ao lado delas estava um jovem adulto concebido por inseminação artificial, que olhava para o homem e abanava a cabeça. Ali perto, uma dezena de apoiantes de Donald Trump tentavam arranjar confusão gritando "Voltem para o México!" Agentes da polícia olhavam, nervosos, mas a discussão ficou por ali, quando se formou um cordão do lado da marcha e as pessoas cantaram "Não vos conseguimos ouvir!"

Goldwyn e os outros homens que passaram pelo palco - incluindo o mayor Eric Garcetti, o primeiro na história de LA a atingir a paridade no seu executivo - não falavam por todos os homens que ali estavam. Nem por todos os que dizem estar do lado do movimento, como aludiu Scarlett Johansson quando gritou "Quero o meu pin de volta!", uma referência a James Franco ter usado o pin #TimesUp antes de ser acusado de assédio por múltiplas mulheres.

Mas falaram por muitos, que apareceram em números surpreendentes. "Em nome dos outros 50% da população quero dizer às mulheres que amamos, que criamos, com quem trabalhamos, que continuem a lutar porque nós estamos cá para ajudar", prometeu Goldwyn. No dia seguinte, durante os prémios SAG, William H. Macy, de Shameless, revelou que está a formar-se um grupo masculino de apoio ao Time"s Up e Me Too. Tudo isto é inédito e incrível, parte da revolução social que estamos a viver.

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