O ministro intermitente e o triunfo do "eduquês"
No início do mês, aproveitando a cortina mediática criada pelos casos Medina e Berardo, o governo decidiu acabar de vez com os resquícios de exigência e qualidade que escaparam ao violento ataque perpetrado contra a escola pública republicana ao longo dos últimos seis anos. Num despacho (n.º 6605-A/2021) publicado a 6 de julho, a dois meses do reinício das aulas, o Ministério da Educação determinou o fim dos programas, construídos por vários governos e ministros, e das metas de aprendizagens, introduzidas por Isabel Alçada e reforçadas por Nuno Crato, e a sua substituição por um conjunto de "referenciais", a utilizar à vontade e à medida do freguês, como convém no mundo ideal do "eduquês": o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), as Aprendizagens Essenciais (AE) e a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC).
Em termos práticos, esta decisão implica que a partir do próximo ano letivo o ensino e a aprendizagem vão deixar de estar focados em objetivos e resultados ambiciosos, para os quais os alunos teriam de trabalhar, e passarão a ser "orientados" por um cardápio de aprendizagens e competências que enumeram os "mínimos" que deverão ser alcançados no final de cada ano.
Uma decisão governamental desta natureza e com as implicações (desastrosas) que prenuncia merecia uma explicação ou até uma justificação. Merecia, mas não teve. O intermitente ministro da Educação, que só aparece para repetir anúncios que raramente cumpre ou para botar figura na fotografia da praxe, ficou, mais uma vez, confinado e silencioso. Tiago Brandão Rodrigues evitou a maçada de explicar ao país as razões e os fundamentos da decisão de querer acabar com as metas que permitiram uma melhoria contínua e significativa do posicionamento dos alunos portugueses nos rankings internacionais.
O caminho trilhado desde finais de 2015, com a fecunda inspiração ideológica e a forte vigilância política da extrema-esquerda, prometia este desfecho. A redução das cargas horárias de Português e de Matemática, a extinção das provas finais dos 4.º e 6.º anos, substituindo-as por provas de aferição para os 2.º, 5.º e 8.º anos, a flexibilização dos currículos ou até a instrumentalização da educação para a cidadania fazem parte de uma estratégia abstrusa para acabar com a escola pública republicana focada na igualdade de oportunidades, na exigência, na qualidade e na meritocracia. Mas os resultados da última avaliação internacional, o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) de 2019, que revelou descidas, relativamente a 2015, de 16 pontos na Matemática e de 4 pontos em Ciências, deviam levar o governo a repensar a sua política do "facilitismo", da "mediocracia" e do "nivelar por baixo".
Ao acabar com os programas e as metas o ministro da Educação vira as costas a um currículo ambicioso e exigente e delapida o património educativo acumulado ao longo das últimas décadas e que nos permitiu alcançar, em 2015, os melhores resultados na avaliação PISA e TIMSS. Esta decisão é um golpe brutal e pérfido na escola pública e no seu papel de ascensor social. Com estes referenciais curriculares pobres, sem ambição e sem metas, a escola pública tenderá a formar cidadãos que farão jus à mediocridade, abandonará à sua sorte os alunos e as famílias mais vulneráveis e levará o país a regredir nos rankings internacionais. Ou seja, fará de Portugal um país com cidadãos menos exigentes e qualificados, mais desigual e injusto, menos competitivo e desenvolvido. Será esse o país que queremos deixar aos nossos filhos?
Deputados do PSD