O fado do "Estado adiado" e a ascensão do "Estado necessário"
Portugal está, há anos, a discutir reformas do Estado. Expressões como "gorduras do Estado", "consumos intermédios", "Estado regulador" ou "Estado mínimo", quase todas mais decorrentes do avanço da ideologia neoliberal do que da realidade ou das necessidades das funções do Estado, passaram a fazer parte do léxico comum da classe política nacional.
Nas últimas duas décadas, sempre que se mexeu foi muito mais por razões financeiras do que por racionalidade da arquitetura organizacional do Estado. A circunstância de ter surgido a pandemia de covid-19 permitiu-nos perceber como a manta está curta: no último ano fez-se luz sobre a confrangedora fragilidade do nosso "Estado desarmado". Por essa razão, é agora, mais do que nunca, o momento de se gerarem os consensos nacionais com vista a alcançar o "Estado necessário".
Os grandes temas da política do século XXI, a adaptação e o combate às alterações climáticas, a revolução digital, a fragilidade das democracias ocidentais e a adaptação às transformações na União Europeia e no sistema internacional exigem que tenhamos um Estado organizado a pensar nas necessidades do povo e no interesse nacional.
A pandemia colocou, à vista de todos, um Serviço Nacional de Saúde fragilizado, sucessivamente desarmado pelo mantra neoliberal, protegendo os grandes grupos económicos, que tudo fizeram para transformar o que deve ser um direito fundamental de todos num negócio lucrativo de poucos.
O mesmo caminho vinha sendo seguido na educação. O sucessivo desinvestimento neste setor, nas instalações escolares, carreiras e remunerações dos docentes, vem há muito fragilizando a educação pública no nosso país. Associado a este desinvestimento, é imposta a "bondade" da ideologia, surgindo propostas como o "cheque-ensino", vendida como uma medida de liberdade de escolha, mas que na realidade não é mais do que uma forma encapotada de colocar o erário público a financiar colégios privados.
Os factos da pandemia colocaram a nu os limites do discurso e da ideologia: não tem adesão real. A verdade é que resiste melhor quem tem sistemas de saúde e de educação robustos e fortes. Resiste melhor quem tem melhor Estado.
Para termos melhor Estado, temos de fazer o essencial: dizer a verdade.
Uma reforma administrativa eficiente e coerente não pode nunca ser realizada com epicentro em cortes financeiros, devendo incidir no redimensionamento da máquina administrativa para promover o desenvolvimento, não apenas em função do que podemos gastar, mas pensada e realizada em função das necessidades nacionais - atuais e futuras.
Sem aproximar o poder das populações e sem promover o escrutínio da decisão nada será conseguido. Isto implica, naturalmente, ultrapassar o paradigma ronceiro e caduco de uma administração desconcentrada opaca, para cumprir o que se sabe desde sempre: regionalizar.
O sofisma de uma descentralização que faz dos municípios guichets, transferindo tarefas, sem que se transfira poder ou capacidade de decisão, configura nova oportunidade perdida.
Precisamos de um Estado robusto, eficiente, transparente e célere. Com decisores escrutinados e, nos três níveis de decisão (central, regional e local), democraticamente eleitos e democraticamente julgados. Um nomeado por um "chefe" não é igual a um eleito pelo povo.
Caso não sejamos capazes de mudar este fado do Estado adiado, continuaremos a germinar as sementes do populismo, que se alimenta das fraquezas e limitações do sistema atual.
A perspetiva de, em poucos anos, sermos o país mais pobre da UE devia ser suficiente para nos fazer mudar de vida. Precisamos de gerar consensos no sentido de reformar racionalmente o país.
O primeiro-ministro e o líder da oposição têm essa responsabilidade para com o povo que devem servir.
Presidente da Câmara Municipal de Oeiras