Justo equilíbrio europeu...
Mario Telo (1950-2023) foi um incansável estudioso da Europa, natural de Cremona (Itália), doutorado por Florença, foi uma referência consagrada, em especial da Universidade Livre de Bruxelas e do Instituto de Estudos Europeus aí sedeado. Foi um grande amigo e uma presença assídua em Portugal, em especial nos anos noventa, nos Encontros Internacionais de Sintra da SEDES, ao lado de José Vidal-Beneyto, Adam Michnik, Jacek Wosniakowski, Paolo Flores d"Arcais, Michael Walzer, Timothy Garton Ash, Olivier Mongin, Marc Olivier Padis e Jean Claude Eslin. Era uma pessoa sempre disponível e não perdia ocasião para um bom debate e para procurar pistas novas de pensamento e ação.... Seguia com cuidado e inteligência as questões mundiais, designadamente as chinesas e considerava a Europa social como preocupação prioritária. Tinha uma cultura vastíssima, debatia a pintura, a filosofia, a literatura, o cinema, de Gramsci a Pier Paolo Pasolini. Cultivava, segundo o senso comum, o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade. O diálogo só valeria a pena se da troca de ideias resultasse algo de novo.
Um dia, em Sintra, junto do Palácio da Vila, numa amena caminhada de Primavera, perdi-o de vista por um momento. Procurei-o intrigado, pelo súbito desaparecimento, e eis que o descubro, entre grande algazarra, com um grupo de crianças a jogar à bola, numa ruela antiga da vila, para grande gáudio de todos.... Pouco depois, agradeceu, despediu-se e retomámos a nossa caminhada, ele estava deveras satisfeito, e regressámos à preparação do sério debate do dia seguinte. Era assim Mario, amante sincero da vida e de uma genuína alegria.
Para ele era sempre fundamental compreender a História com pessoas e acontecimentos, para entender as incertezas. O paradigma de Vestefália (1648), centrado na soberania dos Estados, evoluíra e a Europa é agora um laboratório de novas formas de cooperação, com a coexistência de fatores e forças fragmentárias, de movimentos centrífugos e centrípetos. A Europa de hoje confronta-se com cinco crises, todas relevantes: económica, de legitimidade democrática, de migrações e refugiados, de tendências eurocéticas e a das ameaças terroristas. Os regionalismos foram emergindo, em três vagas: o regionalismo autoritário dos anos 30 e 40; o regionalismo multilateral do pós-guerra num mundo bipolar, com influência norte-americana e, por fim, um regionalismo anti hegemónico. Este último manifesta-se nos vários continentes de modo assimétrico, mas com influência significativa.
Num tempo, como o nosso, de polaridades difusas, Mario Telo previa 4 cenários possíveis para o futuro: (a) um regionalismo económico liberal; (b) um reforço da politização nas relações comerciais, económicas e diplomáticas internacionais e inter-regionais; (c) um neo-mercantilismo comercial competitivo com um regionalismo instrumentalizado pelas políticas das potências; e (d) uma fragmentação anárquica, tribal e protecionista. Ora, entre a lógica da fragmentação protecionista e o regresso das potências, a Europa, mercê da coesão social, deverá constituir uma alternativa de multilateralismo e de equilíbrio global. Sendo o futuro sempre incerto e inseguro, a União Europeia deverá dispor de flexibilidade, de uma geometria variável, como o Brexit e as repercussões da Guerra da Ucrânia têm demonstrado. De facto, há muitos motivos, várias forças e razões que importa considerar, em lugar de qualquer determinismo. Deste modo, para Mario Telo, um justo equilíbrio de demarcação entre o protecionismo e as políticas de potência torna-se necessário num contexto europeu baseado na democracia supranacional e na subsidiariedade. O panorama da guerra a leste obriga a mais e melhor Europa.
Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian