Impacto das eleições intercalares na Política Externa dos EUA
As eleições intercalares dos EUA em 8 de novembro de 2022 levaram ao controle da Câmara dos Representantes pelos Republicanos, embora com uma maioria muito reduzida, e ao controle do Senato pelos Democratas com mais um lugar que em 2020. Para ser eleito presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy teve que dar poder considerável a um pequeno número de membros de extrema-direita da sua bancada Republicana, reforçando assim a polarização do Congresso, o que reflete a extrema polarização do país.
Com um Congresso dividido, Washington enfrentará um impasse para quaisquer tipos de iniciativas domésticas importantes, um desenvolvimento que não melhorará a reputação dos EUA no exterior. Como consequência do impasse a nível interno, tal como a maioria dos presidentes dos EUA durante a segunda metade de seu governo, o presidente Biden provavelmente concentrará mais tempo e energia na política externa, área em que os presidentes dos EUA têm mais espaço de manobra.
Quanto poder é que a Câmara dos Representantes controlada pelos Republicanos tem para impedir as ações de Biden na política externa? A Constituição dos Estados Unidos, caracterizada pelos "checks and balances" para limitar a autoridade de qualquer área de governação define uma separação de poderes no que concerne os assuntos externos: o presidente sozinho comanda apenas as forças armadas, enquanto o Congresso regula o comércio internacional e tem o poder de declarar guerra, podendo limitar seriamente as iniciativas de carácter administrativo, pois deve aprovar o financiamento de qualquer intervenção militar. No entanto, os presidentes dos Estados Unidos têm uma latitude considerável para iniciar e implementar a política externa do país.
A forte adesão do Partido Democrata nas eleições intercalares e o relativo declínio do apoio ao movimento antidemocrático e pró-Trump fortaleceram Biden em todas as suas negociações internacionais na Europa, na Ásia e no resto do mundo.
Para além disso, as relações internacionais são a única área em que Republicanos e Democratas geralmente concordam. Não espero uma grande mudança em nenhuma esfera da política externa dos Estados Unidos como resultado da tomada de posse da Câmara dos Representantes pelos Republicanos.
Pode ser que nos próximos dois anos haja crises políticas internacionais que mudem as prioridades dos EUA (Coréia do Norte, Irão, Médio Oriente?), mas vamos analisar os três principais temas atuais de relações internacionais: Ucrânia, China e Alterações Climáticas.
Pode dizer-se que o maior perdedor nas eleições intercalares dos EUA foi a Rússia, e o maior vencedor foi a NATO. Biden manterá o seu forte compromisso com a NATO, trabalhando em estreita cooperação com os seus aliados, e os resultados relativamente fracos a meio do mandato para os candidatos apoiados por Trump permitem que os europeus vejam com alívio que a postura anti-NATO de Trump passa para segundo plano. Da mesma maneira, embora haja rumores entre alguns Republicanos de que os EUA não podem continuar a passar um "cheque em branco" à Ucrânia, persiste um amplo apoio em ambos os partidos para continuar a fornecer equipamento militar à Ucrânia. O Congresso não vai cortar o financiamento de tais despesas enquanto sejam gastas na defesa da Ucrânia contra a Rússia. Contudo, pode ser diferente se os EUA forem convidados a financiar grandes quantias para a reconstrução da Ucrânia, como a UE indicou que fará, mas ainda não chegámos a essa fase.
Biden também terá carta branca para continuar a seguir sua própria agenda para pressionar a Ucrânia a negociar o fim da guerra em termos que podem não ser atrativos para a Ucrânia e, até agora não há indicação de que venha a colocar pressão significativa sobre a Ucrânia para terminar a guerra em termos aceitáveis para a Rússia.
A única área em que quase todos os americanos concordam que Trump contribuiu positivamente para o país foi relativamente à sua postura agressiva perante a China, uma política também adotada pelo governo Biden. A crescente influência Republicana apenas enfatizará essa direção, mediante apresentação de novas iniciativas do Congresso com vista a limitar a transferência de tecnologia para a China e aumentando provavelmente o nível de ruído assertivo em torno de Taiwan, talvez complicando o estado do relacionamento do governo com a China, recentemente apaziguado após a reunião de novembro de 2022 de Biden com Xi na Indonésia.
É relativamente ao tema das alterações climáticas que o governo Biden será mais prejudicado pelo controle Republicano da Câmara. Nem um único Republicano votou a favor da Lei de Redução da Inflação (IRA) que atribuiu 370 biliões de dólares em investimentos relacionados com o clima. A Câmara Republicana tentará sem dúvida limitar o acesso ao financiamento do IRA e não haverá possibilidade de fazer passar a promessa de Biden de que os EUA contribuirão com 11,4 biliões de dólares anualmente até 2024 para o financiamento das alterações climáticas aos países em desenvolvimento. Com a oposição Republicana, Biden terá problemas em manter a sua credibilidade como líder mundial no combate às alterações climáticas.
Outra possível consequência na política externa do controle da Câmara pelos Republicanos é a intenção declarada dos Republicanos de extrema direita se recusarem a aumentar o teto da dívida dos EUA sem que os Democratas aceitem uma redução nas despesas sociais e militares que Biden disse ser "não negociável". Um eventual "default" da dívida do governo dos EUA que conduz a uma crise financeira internacional teria certamente um grande impacto na credibilidade da liderança dos EUA em todas as relações internacionais. A agressividade dos Republicanos de extrema direita na Câmara e a aceitação das suas exigências pelo presidente McCarthy leva-nos a concluir que infelizmente um "default" da dívida dos EUA em 2023 não é tão improvável quanto poderíamos esperar.
Segundo de uma série contínua de artigos sobre política e sociedade dos EUA. Artigos anteriores e outros comentários em inglês disponíveis no website: http://rendezvouswithamerica.com
Patrick Siegler-Lathrop é Autor de "Rendez-Vous with America, an Explanation of the US Election System", presidente do American Club of Lisbon