Há a "chico espertice" e o "ardil saudita"!
A Arábia Saudita e o Irão voltaram a estabelecer relações diplomáticas há precisamente duas semanas, sob os auspícios da China. Fechadas desde 2016, ambas embaixadas já reabriram portas.
O que é que está em jogo? Isto acontece por iniciativa chinesa, pelo desinvestimento da Administração Biden na Arábia Saudita. Biden, que resolveu descartar todas as iniciativas da Administração Trump, abriu o flanco neste particular à iniciativa chinesa, que sabia ser bem-recebida, pelos crescentes anticorpos que americanos foram criando na região ao longo dos séculos XX e XXI e pela actual "bipolarização tripolar" que o paradigma internacional ganhou, no contexto da guerra na Ucrânia. Ocidente versus Rússia e China, abrem opções de escolha às segundas linhas. É nesse sentido que Emirados Árabes Unidos, Omã, Qatar, Bahrain, Kuwait, Iraque, Egipto e Turquia, veem com bons olhos este reatar de relações diplomáticas entre os rivais-vizinhos. Por outro lado, intimamente, sauditas e iranianos, creem que esta "aliança" lhes facilitará o nuclear! Em que medida? Não poderá haver um Irão nuclear sem uma Arábia Saudita nuclear e vice-versa. Nesse sentido, os locais creem que em binómio poderão atingir este objectivo mais rapidamente. Que reacção isto provocará na Administração Biden e nos israelitas? Obrigará naturalmente Biden a "regressar" a uma iniciativa da Administração Trump, os Acordos de Abraão, que vão convencendo Estados desavindos com Israel a iniciarem ou reatarem relações com este. Emirados Árabes Unidos, República do Sudão, Bahrain e Marrocos já aderiram a este pacto diplomático, havendo mais países na calha. O objectivo último destes Acordos, é precisamente provocarem uma adesão saudita aos mesmos, com estabelecimento de relações com Israel, quando já todos os aliados da Arábia Saudita os integrarem. Encostada à parede, a saída do beco será um "junta-te a eles, já que não os consegues vencer!"
Será desta forma que Biden poderá voltar a ganhar influência no Médio Oriente, através de uma iniciativa de Trump, para contrariar uma iniciativa de Xi Jinping, anunciada no mesmo dia em que este garantiu um inédito terceiro mandato presidencial.
Sabendo de tudo isto, o ardil saudita para não dar sinais excessivos de outros alinhamentos, que coloquem em causa uma aliança estratégica com um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com inerente direito de veto, foi libertar o cidadão norte-americano-saudita Saad Almadi, cuja detenção há mais de um ano por publicações no Twitter criticas à monarquia, causou um crescente afastamento de Biden face ao regime saudita. Foi libertado, como uma pomba branca no dia em que a Primavera chegou. Riad não pode perder Washington enquanto esta tem actual foco na Ucrânia, nem pode comprometer-se em demasiado com nenhum dos "lados da Ucrânia". Por isso mesmo, compromete-se com dois membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com inerente direito de veto!
Votos de Ramadan Kareem a Todos/as Muçulmanos/as, agora que se inicia o Jejum do ano 1444 da Hégira. Força nessa barriga!
Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia