Golpista, negacionista e mais
Os comandantes do Exército e da Força Aérea disseram à polícia que Jair Bolsonaro lhes propôs um golpe de Estado nos termos redigidos numa minuta encontrada na casa do ex-ministro bolsonarista da Justiça, lê-se na denúncia/acusação da Procuradoria-Geral da República do Brasil, revelada na semana passada.
Diz ainda o texto que militares mais assanhados imprimiram, em pleno Palácio do Planalto, o escritório de Bolsonaro, um plano complementar de assassinato de Lula da Silva.
E uma troca de mensagens entre Mauro Cid, o faz-tudo de Bolsonaro, e militares em redor do chefe, prova que todos sabiam, com base em auditorias realizadas pelo Exército e pelo partido do então presidente, que não houve fraude nas urnas, mas que a ordem era continuar a insistir na aldrabice para manter os bolsonaristas em ponto de rebuçado nas redes e nas ruas.
Porém, quem elegeu Bolsonaro em 2018 e tentou reelegê-lo em 2022 não pode ficar surpreendido, talvez nem sequer desiludido, com o teor da denúncia.
Afinal, o político que cuspiu no busto de Rubens Paiva, cuja prisão, sequestro e execução são retratados no candidato ao Óscar para Melhor Filme Ainda Estou Aqui, que votou pelo impeachment de Dilma Rousseff em nome de Brilhante Ustra, o torturador que enfiava ratos e baratas nas vaginas das prisioneiras políticas, como Dilma, que se orgulhou de ter as memórias desse criminoso como livro de cabeceira, que, em entrevista ao DN de 2017, disse que a ditadura militar não foi uma ditadura militar e que a cada oportunidade revelava uma tara freudiana por armas, sonhou toda a vida com um golpe à primeira oportunidade no poder.
Esses eleitores bolsonaristas também não ficarão surpreendidos, talvez nem sequer desiludidos, por Bolsonaro ter falsificado cartões de vacinação para si e para o seu núcleo íntimo, antes de escapar para os EUA na ressaca da derrota eleitoral, a denúncia que aí vem.
Afinal, é natural que o político que defendeu um cocktail de remédios ineficaz contra a covid-19 e que atrasou a aquisição de vacinas, indiferente à lógica científica e à saúde dos seus compatriotas, não se tenha, ele próprio, imunizado.
O que pode surpreender e talvez desiludir quem votou no “ícone anticorrupção” - apesar de membros do clã Bolsonaro serem suspeitos de desviar o salário dos assessores para o bolso e de terem adquirido em dinheiro vivo 51 imóveis em três décadas - foi a revelação, a ser desenvolvida noutra denúncia, de que Bolsonaro negociou joias oferecidas ao Estado brasileiro pelo governo saudita.
Segundo o faz-tudo de Bolsonaro, o chefe mandou-o vender artigos de luxo e guardou o dinheiro, em dólares, numa gaveta de casa, no Palácio da Alvorada. Mas, assustado por ter sido apanhado, chamou o faz-tudo outra vez e pediu-lhe para recomprar, pelo dobro do preço, os itens vendidos.
Justificar o voto num golpista negacionista é canja para os bolsonaristas. Num ladrão, será mais difícil.
Jornalista, correspondente em São Paulo