Sem confiança

Houve muita gente a mostrar preocupação quando Mário Centeno não apareceu sentado ao lado de António Costa durante a reunião do Conselho de Ministros. Seria uma desvalorização do lado financeiro? Revelaria a despreocupação do PS com o equilíbrio das contas públicas? Seria a subalternização do governo a uma agenda desmesurada e por isso inconciliável com a precária situação do país? Nenhuma dessas especulações faz sentido. As finanças da República são o que são e nos próximos tempos nenhum primeiro-ministro poderá dar-se ao luxo de olhar para a governação sem ter a maldita folha de Excel à frente dos olhos. Com aquela disposição do xadrez ministerial António Costa quis dar um sinal. Por ele, o Ministério das Finanças seria apenas instrumental na realização dessa ideia de país que ele diz transportar, não voltaria a ser o alfa e o ómega de tudo o que mexe a partir do Palácio de São Bento. Costa tem razão: reduzir a vida política a um exercício contabilístico não só é redutor, é perigoso, tudo o resto desce à condição de dispensável. Dito isto, será com Mário Centeno que António Costa mais vezes terá de falar nos próximos tempos e é bom que saiba proteger o ministro das Finanças não apenas do desgaste normal do cargo, mas da erosão causada por erros desnecessários. Ontem, por exemplo, o sucessor de Maria Luís Albuquerque tentou explicar como irá cumprir o défice público deste ano. Na realidade, não explicou nada: nem disse quanto terá de poupar, nem em que áreas, nem como. Tudo o que se soube foi vago e confuso. Resta-nos o que a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) já avisara: o governo de Passos parece ter desmazelado as contas nos últimos meses, o que torna difícil o cumprimento das metas. Convém no entanto sublinhar dois aspetos. O primeiro é que o défice terá mesmo de ser cumprido ou Bruxelas não deixará que 2016 seja como Costa deseja, isto é, com o cinto um pouco menos apertado. O segundo ponto é que, mais à frente, a mesma UTAO terá de esquadrinhar bem as contas de 2015 e dar o veredicto: PSD e CDS deixaram-nos em maus lençóis ou Costa está apenas a fazer as cenas do costume quando mudam os governos? Para já não é sensato tirar conclusões, embora seja deprimente acabar o ano sem saber em quem confiar. Talvez este seja o mais corrosivo dos défices: o da ausência total de confiança.

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