A hora europeia
Nas horas mais sombrias da Europa, na primavera de 1941, quando as forças de Hitler pareciam invencíveis e qualquer ideia de união europeia pacífica e voluntária parecia delirante, Altiero Spinelli - mais tarde, deputado e comissário europeu - e outros militantes antifascistas discutiam na prisão-ilha de Ventotene um programa político capaz de juntar a Europa logo a seguir à queda da Alemanha nazi. Apesar do terror que viviam na pele, aqueles homens estavam certos de que os ventos mudariam. No documento que saiu destas reuniões clandestinas, o Manifesto de Ventotene, redigido em papel de cigarro, Spinelli e os outros prisioneiros (Ernesto Rossi e Ursula Hirschmann) desvalorizavam as divisões esquerda/direita e insistiam num ponto: quando a guerra acabasse, a fratura entre os dois lados da barricada já não passaria pelas habituais estruturas partidárias, mas por aqueles que desejavam restabelecer as soberanias nacionais e pelos que aspiravam criar uma Europa federal. "A questão que tem de ser desde logo resolvida, sem a qual todo o progresso será mera aparência, é a da abolição definitiva dos Estados soberanos europeus." O texto identificava os poderes nacionais como "presas fáceis da lava incandescente das paixões populares". A solução para travar a tendência autodestrutiva seria a construção dos Estados Unidos da Europa. Se os instintos soberanistas não fossem combatidos, insistia Spinelli, através da construção de uma alternativa comum a todos, mais cedo ou mais tarde ressurgiriam "os velhos absurdos" nacionalistas. As palavras do político italiano resultavam da observação, da História e da reflexão apuradas, e a verdade é que cá estamos nós, 70 anos depois, não apenas a ver o Reino Unido isolar-se (partir--se?) para ir a parte nenhuma, mas a assistir com horror a ataques xenófobos e racistas dentro da Grã-Bretanha. O ovo da serpente - cá está ele. É por isso que espanta o contraste entre as bravatas de Juncker ontem no Parlamento Europeu e a enorme dificuldade, para não dizer o medo e a desorientação, dos políticos europeus em dizer o evidente: a solução é uma Europa comum, com órgãos executivos democraticamente eleitos por todos, não o regresso a uma união apenas económica e, por isso, sem força para enfrentar tantas ameaças, desafios e incertezas. É uma ambição que leva tempo a ser concretizada e é complexa, sim, muito. Tem momentos maus, sujos e incompreensíveis, é assim que funciona a democracia. Mas não agir à altura das circunstâncias seria um erro histórico imperdoável. Outra vez.