A educação hoje: Que Portugal futuro?

Convém não perder de vista o fundamental: a formação das nossas crianças e adolescentes. Serão futuros adultos, futuros quadros empresariais, políticos, homens e mulheres do comércio e de tantas outros sectores; serão agentes culturais, médicos, engenheiros, arquitectos; crianças e adolescentes, jovens adultos, eles próprios, um dia, pais e mães. Muitos, talvez, futuros professores. Neste debate central da nossa vida em comunidade, e depois de manifestações, rondas negociais entre sindicatos o Ministro João Costa e a sua equipa, é com alguma perplexidade que me pergunto (que todos nos perguntamos) por que razão, ao falarmos de educação, nos ficamos sempre pelas mesmas questões formais, como se as de conteúdo não existissem.

Se, como é justo, rever a progressão da carreira, pôr fim ao sistema de quotas, estabilizar a profissão docente ao nível do regime de colocações e desburocratizar o quotidiano escolar (haja serviços administrativos!) são medidas que não podem adiar-se, urge, neste debate, reflectir sobre os caminhos futuros da educação em Portugal. No fundo, fazer o que raramente fazemos: projectar, com ideais e ideias sólidas e realistas, um país onde viver não seja (como é hoje, de novo) a salazarenga "tristeza contentinha", sem dinheiro senão para compras para encher o estômago, sem expectativas de futuro. É fácil atacar, neste momento, quem tem de decidir e pôr em marcha um plano de acção que vise ir ao encontro de algumas reivindicações da classe docente. Os sindicatos e os demais agentes educativos - o que inclui largos sectores da sociedade civil e, claro, a tutela - devem unir-se e concentrar-se, apesar das justas queixas, num só e único fim: que país estamos a construir, que competências estamos, de facto, a facultar às nossas crianças e adolescentes, aos nossos universitários?

Aponto, neste artigo, alguns factos e proponho algumas ideias (ideais, decerto) que, creio, podiam vir a ser desenvolvidas, desde que escolhendo gente competente. É com este governo que se tem de saber negociar. Não são admissíveis posições extremas quando, no limite, pensar a educação implica termos consciência de que é de proteger a democracia que se trata. A democracia e as liberdades numa época em que os totalitarismos a cercam. Extremadas as posições de quem se manifesta, é lícito perguntar se nós, professores, gostaríamos de vir a negociar com partidos da Extrema-Direita, cujo único programa é destruir a escola pública e a própria democracia para servir oligarquias de vária espécie. Ser professor hoje, como em todos os tempos, pede, de cada um, uma visão profunda dos tempos em que vivemos. Deixarei, para pais e professores, breves indicações de livros que, acessíveis numa qualquer livraria, podiam ser lidos por todos os agentes educativos. A escola, a tutela, os docentes, os estudantes, todos deveríamos pensar uma educação em Portugal que tivesse como único fito algo simples e verdadeiro: a educação é um projecto humano libertador do obscurantismo e a sua finalidade é tornar a vida, este breve tempo em que estamos juntos, mais feliz. A cultura é a única trave-mestra da Escola, não é o mercado de trabalho que, feito de gente vazia de ideais e ideias, que move e dinamiza uma sociedade com sentido.

1) FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Não há, nos últimos quinze anos, sensivelmente, formação de professores ao nível da didáctica e da pedagogia em inúmeras disciplinas. Grassa uma imensa incultura na classe docente quanto ao "como fazer" e "o que fazer" para que as aulas não sejam o deserto de que muitos estudantes, com razão, se queixam. Os estágios pedagógicos, com metodólogo e orientador no terreno, e respectivas aulas assistidas, foram substituídos por uma manta de retalhos que se traduz numa desresponsabilização do docente na sala de aula. Sem remuneração justa, deslocado da sua área de residência, longe da família, mais se agudizam a desmotivação e o desinteresse pelo que é ser-se professor.

Sem bibliografia de referência, apresentação de uma prova escrita, reflectindo sobre as aulas leccionadas em duas turmas (era assim antigamente nos estágios), quem escolha a via-Ensino hoje mais não faz que aprender alguns lugares-comuns sobre processo ensino-aprendizagem. Caros colegas, aqui fica, para quem queira remar contra a maré, um texto sobre como ser professor, actualíssimo pelas críticas e soluções que apresenta: "A Educação do Sentimento Poético", tese de admissão ao exercício docente, de Jacinto do Prado Coelho (Lello editores, 1994, 1ª ed.1944).

2) A INDISCIPLINA DOS ALUNOS: Todos, encarregados de educação, directores de escolas, Universidades; famílias, empresas - vamos ouvindo dizer que há uma falta de educação geral na sociedade portuguesa. Atrevo-me a dizer que a insensibilidade e a rudeza (Camões já condenava esta realidade no século XVI) é transversal a todas as gerações, mas é especialmente grave nas mais novas. "Os jovens falam mal", diz um. "São violentos", replica outro. "Só querem saber de telemóveis, iPhones, tablets", constata um terceiro. "Não estudam", diz uma mãe, entre a desistência e a impotência. Uma medida urgente a tomar - aqui o Ministério da Educação deve reflectir seriamente o lugar da Escola numa sociedade digitalizada, mas embrutecida - e impopular (mas que uma campanha dos media - a TV, sobretudo - poderia dinamizar), seria esta: proibir os telemóveis e outros aparelhos mediáticos nos estabelecimentos de ensino. Estão comprovados os malefícios (obesidade, perda de faculdades sócio-cognitivas, perda de memória, problemas cárdio-vasculares, alunos hiper-activos; problemas do sono, com consequências neuronais diversas e graves, anquilosamento da vontade, atrofia da imaginação e da competência da escrita, empobrecimento da linguagem) da ideologia digital, que tudo padroniza sob a capa da eficácia.

Transformados em funcionários, os professores adeptos do digital, na verdade, pretendem ser pessoas que funcionam, mas não pensam? Que se leiam, pois, A Fábrica de Cretinos Digitais, de Michel Desmurget (Contraponto, 2020) e, de Nicholas Carr, Os Superficiais - o que a internet está a fazer aos nossos cérebros, Gradiva, 2012). Acresce o facto óbvio: muitos professores foram já educados no sistema de formatação dos últimos 20 anos As aulas ressentem-se da falta de pensamento crítico por parte de quem ensina.

3) UMA CAMPANHA DO LIVRO NA ESCOLA E A LITERATURA: É urgente, nas Escolas e na Universidade, que, para além do excelente trabalho de dinamização que muitos professores-bibliotecários fazem, haja uma campanha dos media (a TV em especial é chamada a este combate) em torno da presença do livro. Não me repugna a ideia - desde que orientada por pessoas competentes, sabedoras do que significa falar-se sobre livros e literatura - de haver publicidade para a magia do livro e da leitura; campanha essa feita por actores, desportistas, escritores (não só os da moda, pois também é necessário dar a conhecer novos valores), políticos. Livros dos programas escolares, já agora: os poetas medievais, Fernão Lopes, Gil Vicente, Garrett, Antero, eis alguns autores maltratados porque nunca lidos. Um auxiliar precioso para vermos como se pode seduzir para a leitura seria dar a ver, nas aulas, documentários (que os há!), didáctica e sobriamente dados por grandes comunicadores da televisão portuguesa.

A literatura, de resto, tão diluída hoje, deveria ser a disciplina-âncora da formação dos alunos: move os afectos, educa para os valores, sensibiliza para a estética do idioma, alarga o vocabulário, coloca-nos em face dos grandes dramas humanos, é a ponte para mundos possíveis. História, Filosofia, Mentalidades, Geografia, Ciências, é na Literatura que encontramos esses saberes. Livro? De Vítor Manuel de Aguiar e Silva, As Humanidades, Os Estudos Culturais, O Ensino da Literatura e a Política de Língua Portuguesa, Almedina, Coimbra, 2010.

Professores, pais, Senhor Primeiro-Ministro e Senhor Ministro da Educação: sem livros, sem História, sem Artes, sem Literatura, sem crianças e adolescentes cultos, sem professores que o sejam, Portugal nada será senão o terreno propício dos atavismos de sempre, país sem alma, mero "fogo-fátuo", entregue aos futebóis, à estupidez e à ditadura da banalidade. Outra forma de ditadura.


Professor, poeta e crítico literário

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