"Quem vai baixar as calças?"
No dia em que Rajoy, começou a tentar negociar, o DN foi ao bairro de Salamanca ouvir os seus eleitores. Mas é quase impossível encontrar quem queira falar de política
São duas senhoras nos seus setentas, impecavelmente arranjadas, na Calle Serrano, na zona onde se concentram as melhores lojas de Madrid. Olá, podem responder a umas perguntas de um jornal português sobre a situação política? Sorriem as duas, a fazer que não. Porquê? "Oh, hija mía, a situação política? Melhor esquecer isso", diz a de cabelo mais branco, numa gargalhada. É possível que seja coincidência, mas a noção, frisada pelos especialistas em sondagens e politólogos, de que quem vota PP tende a ocultá-lo parece materializar-se nas ruas do bairro de Salamanca, reputado como "de direita": a maioria dos abordados declina falar e chega mesmo a mudar de expressão quando ouve "situação política". Mas pode ser apenas por ser dia de semana, terem mais que fazer ou - o que é muito compreensível - zero paciência para entrevistas.
Mario Jaramillo, 21 anos, é uma exceção. Mas, lá está, não vota PP. "A maioria das pessoas como eu, com uma família bem na vida, vota Rajoy. Sou mais de esquerda do que os meus amigos do bairro. São todos de direita e estão contentes com o resultado." Mario, filho de uma jornalista e de um advogado, não está exatamente contente com o resultado, mas nem sequer votou. "Nas vezes anteriores votei Ciudadanos e PSOE. Agora não fui votar porque sinceramente considero que nenhum dos candidatos está preparado para governar este país." Sobre a possível fórmula governativa a sair das negociações, aposta numa união do PP (137 deputados) com o Ciudadanos (32) e o PNV (Partido Nacionalista Basco, de centro-direita, seis). "Se gosto da ideia? Mais do que se fosse o Podemos a governar, mas não me agrada o PP, porque está muito ligado à corrupção. Só que as pessoas votam nele por causa da estabilidade." Lá em casa, aliás, ninguém votou PP. "O meu pai votou Ciudadanos. Mas disse-me que esteve quase a mudar de ideias enquanto esperava na fila, porque os únicos que estavam a ajudar as pessoas a encontrar a sua urna eram os do Podemos. Os do PP e do Ciudadanos nem se mexiam, estavam lá a conversar uns com os outros e a rir." Já a mãe, como Mario, engrossou a fileira da abstenção. "Costuma votar sempre PSOE mas não gosta do Pedro Sánchez e tinha medo de que houvesse um governo PSOE-Podemos."
"Estamos bem sem governo"
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Sofía, 52 anos, empregada de uma destas lojas, prefere não dizer em quem votou. Mas frisa que pertence a "um bairro de esquerda, ao contrário deste". Fala enquanto caminha, tem de entrar em 15 minutos ao serviço. Começa por dizer que o resultado não a surpreendeu nada, mas acaba por admitir que não esperava que o PP conseguisse mais meio milhão de votos e o Podemos descesse tanto. Em todo o caso, acha que não vai haver acordo algum. "Não vai haver governo", afirma, quase triunfante. Como assim? "Qualquer um destes quatro partidos - PP, PSOE, Podemos e Ciudadanos - teria de engolir o que disse nestes seis meses. Quem é que, como dizemos cá em Espanha, vai baixar primeiro as calças?" Ok, mas qual a solução melhor? "Sinceramente? Acho que estamos bem assim. Sem governo, sim. Que diferença faz? Não noto diferença nenhuma."
Não será bem assim. Há uma diferença entre um governo de maioria absoluta que, reconhecem grande parte dos analistas, governou bastante à direita, e um governo de coligação ou com apoio parlamentar de outros partidos, não? Além disso, se não houver acordo haverá terceira volta. "Sim, acho que é o que vai suceder", concorda Sofía. "E o PP vai voltar a ganhar, porque as pessoas têm medo. E demitem-se todos."
Isso mesmo, ou que pelo menos Rajoy se demita, é a esperança de Gonzalo Peres, 26 anos, realizador e outro habitante do bairro de Salamanca. "Tenho votado sempre PP mas desta vez votei Ciudadanos porque não gosto do Mariano como líder. Acho-o muito distante, antiquado. Aliás acho os dois grandes partidos antiquados. Ciudadanos parece-me uma alternativa à política antiga. Claro que sabia que não ganharia, mas votei por estratégia: espero que exijam a saída de Rajoy como condição para um acordo." Sobre o que gostaria de ver um novo governo fazer, tem algumas ideias. "Temos um IVA cultural altíssimo, devia baixar. E acho que se devia mudar a Constituição, é de 1978, está desatualizada." Mudar em quê? "Não sou muito hábil nessa área, mas acho que se se mudar a Constituição se podem mudar as leis. Coisas concretas? Por exemplo o direito à habitação. Se está na Constituição que toda a gente tem direito a uma habitação condigna, como se admite que as pessoas vão viver para a rua com os filhos? Deviam construir-se casas para as pessoas com necessidades. Não sou comunista, mas acho que se pode."
"Sí, se puede", cantavam os apoiantes do PP na noite das eleições, apropriando-se do slogan do Podemos. Mas poderão? Margarita, 68 anos, apanhada na Gran Vía, fora da zona "chique" de Salamanca, assume que votou PP mas acha que não. "Vai haver terceiras eleições, não os vejo a entenderem--se." Faz uma pausa, como quem deixa a frase ecoar. "É tudo uma aventura. Nunca vi nada assim em Espanha." Reformada de um trabalho administrativo, considera que as pensões são "a única coisa garantida neste momento". Não teve nenhum corte, mas não gostou nada, admite, do que sucedeu nos últimos anos, durante a governação PP, nem do que está a suceder agora. "Não merecemos isto. E tenho de admitir que não gosto do Rajoy. Não votei PP por gostar. Mas é o que há."
Em Madrid