Países e cidadãos vão ter de decidir o que querem da UE
Estados terão de escolher entre mais federalismo ou mais independência. Discussão para ultrapassar "grandes desafios" foi lançada com apresentação do Livro Branco
Sem a imposição de regras europeias, o fim do roaming entre países da União Europeia (UE) não passaria de uma ideia de concretização provavelmente impossível. Sem diretivas comunitárias, os sistemas de controlo da qualidade da água das nossas praias seria bem menos rigoroso. E a consciência ecológica nacional poderia estar décadas atrasada em relação a outros Estados membros. São exemplos concretos de como a União Europeia influenciou o país - muito além do desaparecimento de fronteiras e das virtudes e vícios decorrentes da moeda única, que têm dado alguma má fama à União.
Numa altura em que a UE tem sido repetidamente posta em causa - para o que contribuíram momentos difíceis da vida europeia, como o brexit e as crises económicas e financeiras na Grécia, em Portugal, na Irlanda -, as suas regras mal-entendidas e a Comunidade serve demasiadas vezes de bode expiatório para medidas difíceis, é preciso que os países reflitam e decidam que modelo de União querem ter.
"A Europa pode fazer mais ou menos [do que hoje]. O importante é que as pessoas saibam o que é que a Europa faz, porque muitas vezes somos culpabilizados por coisas das quais não temos responsabilidade", afirmou ontem o comissário europeu Carlos Moedas, na sua intervenção depois da publicação do Livro Branco sobre o futuro da União Europeia. "99% dos orçamentos para resolver o problema do desemprego juvenil estão na mão dos Estados, não estão na mão da Comissão", exemplificou, para concluir: "Se não estamos unidos, não iremos muito longe."
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Ora é esse perigo que a União Europeia se propõe afastar com o debate agora lançado. "Hoje assistimos ao nascimento da UE a 27, viramos uma página e iniciamos um novo capítulo", disse ontem no Parlamento Europeu o presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker. "É a nossa altura de sermos pioneiros, juntos, unidos e a 27", afirmou, considerando que "por muito doloroso e lamentável que seja o brexit, não podemos ficar reféns" da saída do Reino Unido do bloco europeu.
Apresentado no Parlamento Europeu, o documento que pretende ajudar a UE a ultrapassar os "grandes desafios" que hoje vive marca o arranque do debate mais importante da atualidade nesta região: a definição do que os europeus - os Estados membros mas também os seus cidadãos - querem que seja a União Europeia. A ideia é que sejam traçadas linhas bem definidas para o tipo de decisões que serão da responsabilidade de cada Estado e o que dependerá da deliberação da Comunidade. E é preciso que esse plano, definido não pela União Europeia mas pelos cidadãos e pelos líderes de cada um dos Estados membros, passe a orientar o funcionamento da UE. Ou seja, que não exista uma deliberação de cima para baixo mas, antes, uma aceitação e integração das vontades dos que estão na base da União. "Seja qual for a nossa escolha, o destino da Europa está nas nossas mãos", declarou Juncker, salientando que "a Comissão está à escuta" e apelando a um debate alargado em todos os Estados membros.
Sem adiantar preferências, o presidente da Comissão apresentou ontem, num documento claro e de linguagem simples, os cinco cenários traçados pelo Colégio de Comissários como evoluções possíveis, para lançar o debate sobre o futuro da UE. Soluções que vão desde manter tudo como está até ao verdadeiro federalismo (detalhe acima), revelando-se para cada uma delas as principais vantagens e os maiores problemas que implicam.
Os passos que se seguem ao Livro Branco - contributo da CE para a Cimeira de Roma de dia 25, quando a UE irá debater as realizações dos últimos 60 anos mas também o futuro a 27 -, incluem uma série de debates em várias cidades e regiões de toda a Europa.
Em setembro, no discurso do Estado da União, Juncker irá desenvolver as ideias debatidas, prevendo-se que possam retirar-se as primeiras conclusões durante o Conselho Europeu de dezembro. O objetivo é que a linha de atuação a seguir seja decidida a tempo das eleições para o Parlamento Europeu, em junho de 2019.
"Passámos 20 anos com os países a culpar a União Europeia de tudo. Então, agora, digam-nos para onde é que querem ir, porque isso é importante para todos nós. Queremos fazer mais em conjunto? Queremos fazer menos? Queremos ter uma Europa só com mercado único?", disse Carlos Moedas.
No final do debate que agora arranca, e que se prolongará por nove meses, "os países podem até dizer que não querem nenhum destes caminhos, que querem um caminho novo ou diferente, ou um que seja uma mistura de todas estas opções", mas haverá uma decisão clara sobre o que se quer fazer da União Europeia, sublinhou ainda Carlos Moedas, que não quis apontar a sua solução preferida, mas lembrou que é um "europeísta convicto" e que "gostava que a Europa tivesse uma capacidade maior de resolver as questões das pessoas".
Cinco cenários (veja aqui em detalhe, com os riscos e vantagens de cada um)
Assegurar a continuidade
A UE 27 concentra-se em realizar o programa de reformas positivas no espírito da declaração Novo Começo para a Europa (2014) e da Declaração de Bratislava (2016).
Restringir-se ao mercado único
A UE 27 recentra-se progressivamente no mercado único por os 27 serem incapazes de chegar a consenso quanto a um número cada vez maior de domínios estratégicos.
Fazer mais, mas só quem quiser mais
Funciona como hoje mas os Estados que o queiram podem ir mais longe em áreas como defesa, segurança interna e assuntos sociais. Pode haver várias coligações de interessados.
Fazer menos com maior eficiência
A UE 27 concentra-se em certos domínios de intervenção, para ter resultados mais rápidos e reduz ação em áreas de menor valor. Recursos limitados concentram-se num número reduzido de domínios.
Fazer muito mais todos juntos
Estados decidem partilhar, de forma generalizada, mais poderes, recursos e a tomada de decisões. As decisões serão mais rápidas a nível europeu e rapidamente aplicadas.