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17 novembro 2019 às 15h20

Eleição é só em 2022 mas Lula já está na estrada e Bolsonaro tem novo partido

Eleições municipais do próximo ano e presidenciais de 2022 na agenda, muito antecipada, do presidente da República e do antigo chefe de estado, que saiu da prisão com forças renovadas. Mas há obstáculos ao Aliança Pelo Brasil e ao PT. E alternativas pelo meio.

João Almeida Moreira, São Paulo

Na última quinta-feira, o Aliança Pelo Brasil, novo partido de Jair Bolsonaro, avançou com o que parece ser o seu slogan "Deus, pátria e família". No mesmo dia, Lula da Silva iniciou tour pelo país, reunindo-se em Salvador, na Bahia, com governadores do Partido dos Trabalhadores (PT). As duas notícias são típicas de campanha, ou de pré-campanha, no mínimo, mas ocupam o noticiário político, a ainda um ano das eleições municipais de outubro de 2020 e com cerca de três anos de avanço sobre as presidenciais do mesmo mês de 2022. A crise de Bolsonaro com o seu atual partido e a liberdade de Lula, eventos quase simultâneos, fizeram ambos os lados queimar (muitas) etapas.

Em Salvador, o antigo presidente, acompanhado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e do candidato presidencial pelo partido às últimas eleições, Fernando Haddad, encontrou-se com Wellington Dias, governador do Piauí, Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, e os anfitriões Rui Costa, governador baiano, e Jaques Wagner, senador pelo estado. Só Camilo Santana, governador petista do Ceará faltou à chamada.

O pretexto para o encontro foi a reunião da comissão executiva nacional do PT de preparação para o Congresso do partido, marcado para São Paulo, nos dias 22, 23 e 24. Mas, segundo Wellington Dias, o roteiro de Lula pelo país, na sua caravana de pré-campanha muito antecipada, acabou por ser o principal mote.

"Ele disse que quer focar em viagens temáticas, nos temas que afetam o povo: desemprego, saúde, segurança, educação, social. E quer ouvir e trabalhar a partir dos bons resultados em cada área uma proposta para o Brasil", afirmou o governador ao siteCongresso em Foco.

"O desmonte dos instrumentos para o desenvolvimento do Brasil, como [as empresas públicas] Petrobras, Eletrobras, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Económica Federal, que podem mudar para ter um maior controlo e eficiência mas não para serem vendidas como o governo está fazendo", é outro ponto do discurso de Lula.

Mais: Lula já prepara viagens internacionais, com vista a ampliar as relações comerciais e culturais do Brasil com o mundo. "Ele planeia conversar com os países do Mercosul, de África, árabes, da Ásia, da América Central, além de intensificar contactos com a Europa e a América do Norte".

O antigo presidente foi convidado para a tomada de posse, em dezembro, de Alberto Fernández, novo presidente argentino, e pela presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, a visitar a capital francesa. Bernie Sanders, um dos pré-candidatos democratas à presidência dos Estados Unidos, também se congratulou pela saída do brasileiro da prisão.

Novo discurso

Entretanto, a seguir parte para o Recife, capital de Pernambuco, o estado onde nasceu, para participar no festival "Lula Livre", marcado desde antes da sua soltura, onde deve agradecer o apoio da classe artística durante os 580 dias em que esteve preso. Depois estará no tal Congresso do PT, onde já levará organizado o discurso que pretende utilizar na campanha municipal e presidencial de oposição a Bolsonaro.

"Até agora [nos discursos logo após a saída, em Curitiba e São Bernardo do Campo], foi só desabafo para desopilar o fígado e soltar o grito atravessado na garganta", disse um aliado seu citado pelo portal G1. "Ele vai fazer oposição ao governo Bolsonaro mas já não será aquela metralhadora giratória desses discursos", continuou.

Em paralelo, além do PT e do grupo de partidos que lhe são mais próximos, como o PSOL, o PCdoB e outros, Lula está aberto ao diálogo com outras forças de esquerda e centro-esquerda de quem se afastou. São os casos do PSB e do PDT, com cujas lideranças já trocou ideias. O último daqueles partidos, no entanto, oferecerá mais resistência por ser o de Ciro Gomes, terceiro classificado nas eleições anteriores e muito crítico do antigo presidente por este não ter promovido uma candidatura única com ele e Haddad.

Lula está solto desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) no final da semana passada votou, por seis votos contra cinco, a favor da prisão apenas após os processos transitarem em julgado e não logo depois da condenação em segunda instância, decisão que, além do antigo presidente, beneficiou mais 11 condenados na Lava Jato, entre eles o seu antigo braço-direito José Dirceu, e cerca de 5000 presos.

O político fora condenado pelo juiz Sergio Moro, hoje ministro da justiça de Jair Bolsonaro, em primeira instância no caso chamado de "tríplex do Guarujá", pela posse ilícita de um apartamento na praia paulista. Viu, posteriormente, o tribunal de segunda instância aumentar-lhe a pena, razão pela qual foi para a prisão. O Supremo Tribunal de Justiça, terceira instância, diminuiu essa pena. Com o novo entendimento, só após o STF o condenar e após esgotados todos os recursos cabíveis o antigo presidente volta para a prisão.

Lula, porém, tem mais sete processos à perna.

Por outro lado, os seus advogados têm um trunfo na manga: pediram recurso ao STF pedindo a suspeição de Moro por parcialidade, com base nas gravações reveladas nas reportagens do The Intercept - a Vaza Jato.

Uma vez aceite esse recurso, a condenação seria anulada e Lula poderia até candidatar-se a cargos públicos - para já não pode ao abrigo da Lei da Ficha limpa que impede condenados em segunda instância de o fazerem.

Aliança pelo Brasil

Jair Bolsonaro, entretanto, decidiu-se pela criação de um novo partido - é o primeiro presidente em funções da história a mudar de sigla. O partido, que será o 33º do país e encabeça uma lista com mais 70 à espera de formalização, foi fundado na terça-feira em reunião do presidente da República com parte do grupo parlamentar do Partido Social Liberal (PSL), sua anterior força política.

Definível como conservador, nacionalista e ultra-direitista, será o nono partido na carreira política de 30 anos do antigo militar.

Enquanto não é inaugurado o site oficial e partilhado o manifesto de apresentação, nas redes sociais, o Aliança apresenta-se com um desenho de Bolsonaro a dizer "um novo começo", de anel verde e amarelo na mão e as palavras "Deus, Pátria, Família" em hashtags. São as mesmas palavras usadas pela Ação Integralista Brasileira, partido de viés fascista dos anos 30.

"Bolsonaro quer resgatar uma ideia que está presente num nacionalismo baseado no fundamentalismo cristão e no anticomunismo. Ele tem ideias semelhantes ao integralismo, mas está mais próximo do estilo do governo [do ditador militar Emílio] Médici. Eles estão quase que refundando a Arena [partido que sustentava a ditadura militar]. O Bolsonaro é defensor do regime militar. É essa memória que ele quer resgatar", disse o cientista político Paulo Baía ao jornal O Globo.

O deputado Eduardo Bolsonaro, que há duas semanas falou em reeditar o AI-5, ato que instituiu a censura e a tortura no país em 1968, disse que o Aliança pretende libertar a população "da destruição de valores cristãos e morais".

Para arregimentar assinaturas, o Aliança Pelo Brasil aposta nas igrejas evangélicas e em movimentos conservadores espalhados Brasil afora: "vamos colocar um exército à disposição do Jair, dando prioridade a locais onde temos bastante atuação como universidades, câmaras municipais e igrejas evangélicas", contou Edson Salomão, presidente do Movimento Conservador, no Folha de S. Paulo.

As exigências para a criação de novos partidos são a assinatura de 0,5% dos eleitores distribuídas por um terço (nove) das unidades federativas do país. As assinaturas, não digitais, devem ser validadas em cartório. Para disputar eleições o partido deve ter aqueles requisitos até seis meses antes do próximo ato eleitoral - ou seja, para participar na eleição municipal o Aliança tem de os cumprir até março de 2020.

Por outro lado, os deputados ou vereadores do PSL que queiram acompanhar Bolsonaro devem apresentar uma justa causa para a saída da sua atual força política.

A crise no PSL começou num comentário informal do presidente, a dizer a um apoiante "o cara 'tá queimado para caramba lá. Esquece".

O "cara" que, segundo o presidente, está "queimado para caramba" é Luciano Bivar, líder nacional do PSL. Que não gostou do que ouviu: "Não estamos num grémio estudantil: depois disso ele [Bolsonaro] não tem mais relação alguma com o partido, está esquecido", disse, enraivecido, à emissora Globonews.

A luta interna no PSL resulta de escândalos: o ministro do Turismo de Bolsonaro, Marcelo Antônio, e o próprio Bivar são acusados de participarem de um esquema de candidaturas femininas fantasma para se apossarem do dinheiro do fundo eleitoral correspondente.

Mas é também por dinheiro: a distribuição do fundo que financia, com verbas públicas, o funcionamento dos partidos e as suas campanhas eleitorais é indexado ao número de votos obtidos na última eleição - estima-se por isso que o orçamento do partido somados esses fundos possa ser de perto de 70 milhões de euros.

Com Lula e Bolsonaro no terreno sobrará menos espaço para outras forças e candidatos.

Terceiras vias

Como afirmou Bruno Speck, politólogo da Universidade de São Paulo à BBC Brasil, "a mobilização dos dois lados, a mesma que foi forte nos últimos dois anos, vai se intensificar. Não será exatamente em torno da figura de Lula, mas as massas já estão mobilizadas, com uma visão bem definida. Esse 'ritual' está pronto para recomeçar".

"De um lado, as pessoas que protestaram nos primeiros meses do ano contra cortes na educação, por exemplo. Essa ponta será galvanizada caso haja a presença de Lula. Do outro lado está a massa de 'indignados', os que protestam contra a corrupção, vestindo verde e amarelo. Esses serão estimulados pela base de Bolsonaro, que tratará uma libertação de Lula como exemplo de 'impunidade' e usará o sentimento de indignação para chamar protestos".

Igor Gielow, colunista do Folha de S. Paulo, escreveu que "o embate Lula-Bolsonaro obriga Doria e Huck a rever táticas para 2002". João Doria, do PSDB, atual governador de São Paulo, era aliado de Bolsonaro nas eleições mas distanciou-se e tentará agora apostar nos descontentes do bolsonarismo para ganhar fôlego. Os apoiantes de Luciano Huck, por sua vez, querem que o apresentador da TV Globo ainda sem partido se decida rapidamente a concorrer e apresente propostas ao povo e não perca mais tempo, como até aqui, em fóruns com investidores das classes médias e altas já convertidos ao seu discurso.