Nova cúpula deixa Chernobil segura durante um século

Três décadas após acidente nuclear, reator está protegido com maior estrutura móvel fabricada até hoje. Próximo passo é desmantelar o sarcófago construído ainda pelos soviéticos

A cúpula é tão alta que podia esconder a Estátua da Liberdade, tão comprida como dois aviões Boeing 747 e a sua estrutura de metal é mais pesada que três torres Eiffel, tendo sido necessário deslocá-la o equivalente ao comprimento de três estádios de futebol desde o local onde foi montada até ao seu destino final. Desde ontem, esconde no interior o velho e deteriorado sarcófago de cimento construído pelos soviéticos em redor do reator n.º 4 da central de Chernobil, após o acidente de 26 de abril de 1986, que libertou uma nuvem tóxica que se alastrou pela Europa. O objetivo é conter a radiação durante o próximo século.

"Muitos duvidaram, muitos não acreditaram. Felicito-vos meus amigos. Yes! Nós conseguimos", disse ontem o presidente ucraniano, Petro Porochenko, na cerimónia de inauguração. "O mundo inteiro pode hoje ver o que podem fazer a Ucrânia e o mundo quando se unem, como somos capazes de proteger o mundo da contaminação nuclear e das ameaças nucleares."

O Novo Confinamento Seguro (nome oficial) é fruto do trabalho de duas empresas francesas, a BTP Vinci e a Bouygues, tendo o arco metálico sido feito em Itália. Em Chernobil, na Ucrânia, mais de 2500 trabalhadores ergueram-no, em equipas que alternavam a cada 15 dias para que as doses de radioatividade às quais estavam expostas ficassem abaixo das normas de segurança. Em algumas zonas, só podiam trabalhar quatro horas seguidas.

A nova cúpula mede 108 metros de altura, 162 de comprimento e 257 de envergadura e pesa 36 mil toneladas. É capaz de resistir a um sismo de magnitude 6 na escala de Richter (a Ucrânia é um país de baixo risco sísmico), um tornado de categoria 3 (ventos entre 254 e 332 km/h, pouco provável no país) e temperaturas que variam entre os 43 graus negativos e os 45 positivos. Foi montada num estaleiro a 327 metros da posição final, tendo sido necessário arrastá-la ao longo de um sistema de carris nos últimos dias - à velocidade máxima de dez metros por hora.

"O Novo Confinamento Seguro é um sucesso de engenharia sem precedentes. É uma estrutura extremamente complexa construída numa área contaminada", indicou à Reuters o diretor da segurança nuclear do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, Vince Novak. O dinheiro para o projeto vem de um fundo, criado em 1997 por iniciativa do G7 e alimentado por doações de mais de 40 países, que é administrado por este banco. A cúpula custou 1,5 mil milhões de euros, mas todo o programa ascende a 2,1 mil milhões de euros.

O pior acidente nuclear

O reator n.º 4 de Chernobil explodiu às 1.23 de 26 de abril de 1986, durante um teste de segurança. Trinta pessoas, atingidas por altas doses de radiação, morreram de imediato ou nos dias seguintes. As consequências ainda se sentem hoje, não havendo consenso sobre o total de vítimas. O combustível nuclear ardeu durante dez dias, com a nuvem radioativa a contaminar três quartos da Europa, mas sobretudo Rússia, Ucrânia e Bielorrússia (repúblicas soviéticas).

Moscovo manteve inicialmente o silêncio sobre o acidente, sem evacuar a região. A agência oficial de notícias, TASS, só o noticiou no dia 28, depois da central de Forsmark, na Suécia, ter detetado níveis anormais de radiação no ambiente. Cem mil pessoas foram eventualmente retiradas de uma área de 30 km em redor da central. Em novembro ficou concluído o sarcófago de 50 metros de altura - um esqueleto de aço de 7300 toneladas de peso preenchido com 400 metros cúbicos de betão - construído por 90 mil pessoas em condições difíceis.

O sarcófago era apenas temporário, mas devia durar algumas décadas. Contudo, em 1993, os peritos estimaram que poderia perder eficácia ao fim de sete anos. Foram feitos consecutivos trabalhos de reforço, em 1999, 2001, 2005 e 2006. Mas o risco de desmoronamento era constante e resultaria na libertação para a atmosfera de magma altamente radioativo (estimativas variam entre 150 e 200 toneladas). Agora, caso isso aconteça, os materiais ficarão contidos dentro da cúpula - que estará completamente operacional em 2017, com a instalação dos últimos equipamentos.

A nova estrutura de segurança tem dois objetivos: "conter as poeiras radioativas e permitir o desmantelamento futuro do reator acidentado", disse à AFP o diretor do projeto Nicolas Caille. A dúvida é saber quando será possível começar esse trabalho, visto que os custos terão que ser suportados pelo governo ucraniano. Kiev, cuja economia está muito dependente de Moscovo, cortou laços com os russos após a anexação da Crimeia, em 2014, num conflito ainda por resolver e que já fez dez mil mortos.

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