May com luz verde dos deputados para ativar artigo 50.º e sair da UE
Projeto de lei segue agora para a Câmara dos Lordes. Continua crise no Labour com nova demissão de um ministro-sombra
Os deputados britânicos, na última votação na Câmara dos Comuns, voltaram ontem a dar carta branca à primeira-ministra Theresa May para ativar o artigo 50.º, meter os papéis para o divórcio com Bruxelas e assim iniciar as negociações do adeus à União Europeia.
Desta vez foram 494 deputados a votar a favor do projeto-lei que dá luz verde ao governo e 122 a manifestar-se contra. Em comparação com a votação da semana passada, houve menos quatro votos a favor e mais oito contra.
Kenneth Clarke, ex-ministro da Justiça de David Cameron, voltou a ser o único conservador a votar ao contrário da posição do partido. Entre os trabalhistas as atenções centraram-se em Clive Lewis. O deputado rejeitou o projeto-lei e pediu demissão do ministro-sombra do partido para o Comércio e a Energia.
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Depois de esmagadoramente aprovado nos comuns, o diploma segue agora para a Câmara dos Lordes, mas enfrentará um compasso de espera, uma vez que o Parlamento estará encerrado desde o dia de hoje até 20 de fevereiro. Quando os trabalhos forem retomados, a Câmara dos Lordes debaterá o documento e poderá aprovar alterações até 1 de março. Qualquer modificação terá que ser depois ratificada pela Câmara dos Comuns. O projeto-lei andará para trás e para a frente até que ambas as câmaras acordem numa versão definitiva. Tendo em conta os prazos legais, o processo não poderá estar concluído antes de 7 de março. May já frisou por diversas vezes que quer ativar o artigo 50.º antes do fim de março.
Entre as várias emendas que ontem foram votadas e chumbadas, uma delas, apresentada pelo Lib Dem, sugeria a realização de um novo referendo sobre a saída da UE. A proposta foi rejeitada por uma larga maioria - 340 contra 33. Entre aqueles que se manifestaram favoráveis a uma nova consulta popular estavam 19 deputados trabalhistas.
A partir do momento em que o artigo 50.º seja ativado terá início uma contagem decrescente de dois anos. No final desse período consuma-se o divórcio, independentemente de as negociações estarem ou não concluídas. A única hipótese de este prazo ser alargado é por unanimidade dos restantes 27 Estados membros.
Um dos temas mais quentes no debate entre os deputados tem sido a hipótese de o Parlamento ser chamado a votar a versão final do acordo que o governo de May negociar com a União Europeia. A primeira-ministra britânica já garantiu que os deputados serão ouvidos e que o seu voto será "relevante". Dito de outra forma, quando as negociações estiverem concluídas o Parlamento será chamado a escolher entre sair com o acordo negociado por May ou sair sem qualquer acordo - neste caso passariam a aplicar-se ao Reino Unido as condições da Organização Mundial do Comércio.
Até que ponto é possível - seja por vontade do Parlamento, do governo ou do povo (através de um novo referendo) - o Reino Unido voltar atrás com o divórcio? "Essa questão tem sido muito debatida, nomeadamente em think tanks e há duas versões. Há quem diga que sim e há quem diga que não. Estes últimos estão em maioria e essa é também a minha opinião", diz ao DN Paulo Almeida Sande, ex-diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa. O especialista em assuntos da UE explica que o artigo 50.º não prevê que o pedido para sair possa ser retirado. "Mas, havendo vontade política, é sempre possível", acrescenta. Por vontade política entenda-se que os 28 têm de estar de acordo nesse sentido. Uma possibilidade de contornar a questão, sublinha Almeida Sande, seria conseguir prolongamentos sucessivos do prazo de dois anos até que o Tratado de Lisboa fosse alterado e passasse a contemplar a possibilidade de um país querer voltar atrás.
Ontem o governo britânico manifestou também o desacordo com a hipótese de um segundo referendo na Escócia sobre a independência. "Já houve um e o resultado foi claro", sublinhou um porta-voz de Theresa May. De acordo com o The Courier, jornal da cidade de Dundee fundado 1801, a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon deverá avançar, no prazo de duas semanas, com o pedido de uma nova consulta popular. No referendo realizado em 2014, 55% dos escoceses disseram que queriam continuar a fazer parte do Reino Unido. Um dos argumentos a favor da permanência foi precisamente a continuidade na União Europeia. Saindo do Reino Unido a Escócia, enquanto Estado independente, teria que passar por todo o processo de adesão. No referendo do brexit, a Escócia votou largamente (62% contra 38%) pela continuidade do casamento com Bruxelas.