Na verdade, Nati Avraham, de 20 anos, até estava entusiasmado. Foram as primeiras eleições em que participou. Não só tinha direito a estrear o seu voto como ainda ajudou a organizar as mesas no círculo eleitoral de Jerusalém Oriental. Voluntariou-se para a Comissão Nacional de Eleições e colocaram-no na escola de Mohamed al-Saaid, no bairro muçulmano da cidade. Mas, às três da tarde, ainda nenhum eleitor tinha aparecido para depositar o seu voto. As urnas estavam abertas desde as sete da manhã, assim permaneceriam até às dez da noite e ninguém, absolutamente ninguém, tinha comparecido à chamada.
"Isto está a ser o dia mais frustrante da minha vida", dizia o rapaz, "não esperava uma grande participação, toda a gente sabia que os palestinianos de Jerusalém não acreditavam nestas eleições, mas nunca pensei que as coisas chegassem a este extremo." Nas últimas horas, pressionados por muitos líderes árabes, os habitantes dos bairros e cidades muçulmanas acabariam por comparecer à chamada. Mas àquela hora o polícia que guardava o portão olhava para Nati com alguma comiseração. Ao ponto de, a meio da tarde, mandá-lo abandonar o posto para ir votar.
Nati atravessou o bairro árabe e depois o arménio, entrou na zona judia e dirigiu-se à sua mesa, na escola que existe na rua de São Jorge. Ali, às quatro da tarde, já 1800 dos 2200 inscritos tinham feito a sua escolha. Junto à escola onde votou, o cenário era completamente diferente. Grupos de judeus ortodoxos juntavam-se e enchiam as esplanadas, alguns cantavam versos da Tora e outros dançavam de braços abertos pelas ruas. São Jorge é zona devota, aqui espera-se sempre participação elevada e vitória à direita.
Mas mesmo Hannah Lavan, agente da polícia israelita destacada para guardar o portão de Jaffa - principal entrada dos hebreus na Cidade Velha - se mostrava surpreendida com o movimento das ruas. "Está tudo calmo, mas estão aqui demasiadas famílias a passear vindas de outras zonas. Aposto que as taxas de abstenção hoje vão ser grandes." Enganou-se na hecatombe. As duas últimas horas em que as urnas estiveram abertas foram de verdadeira correria às urnas. Das 20.00 às 22.00, o voto árabe passou de menos de 2% a 59%. No mesmo período, os totais de participação nacionais subiram de 61,8% para 71,2%.
"As pessoas tinham ficado desmotivadas com a campanha mais suja a que Israel já assistiu na sua história", dizia ao DN Nimrod Goren, professor da Universidade de Jerusalém e diretor do Mitvim, o Centro de Estudos de Política Internacional. "Benjamin Netanyahu chegou às eleições com acusações de corrupção sobre a cabeça e a negociar com o Hamas as políticas de Gaza, apesar de considerá-lo um grupo terrorista. As coisas extremaram-se entre os que estavam a favor dele e os que estavam contra." Do segundo grupo, uma boa parte escolheu Benny Gantz, da Coligaçao Azul e Branca.
A grande questão destas eleições era se Netanyahu conseguia ou não ganhar e assim tornar-se no primeiro-ministro israelita com maior longevidade da história - chegou a 2019 com uma década seguida no poder. "E jogou as cartas mais altas. A nível internacional teve o apoio de [Donald] Trump, [Vladimir] Putin, [Jair] Bolsonaro e uma série de atores europeus que fragilizaram a UE, habitualmente moderada. Internamente, fez um discurso de aproximação à extrema-direita ameaçando anexar territórios na Cisjordânia", explica Goren. No domingo, o derradeiro combate: foi às praias de Telavive convocar os banhistas que não tinham ido votar e anunciou que a menos que houvesse uma votação massiva, a esquerda ocuparia o poder.
A pressão, pelo menos em parte, funcionou. As sondagens à boca das urnas davam uma ligeira vantagem a Gantz - 37 lugares no Knesset, contra 33 para Netanyahu. Mas o que é curioso é que, nas sedes de campanha, os apoiantes de Bibi e os de Benny cantam esta noite igualmente vitória. É que Gantz pode até ter mais deputados, mas precisa de 61 cadeiras no Knesset para governar. E Netanyahu, mesmo que tenha perdido a vantagem, tem mais partidos à direita (até ao extremo) dispostos a juntarem-se a um governo liderado pelo seu partido, o Likud.
Durante a tarde de domingo, a estrada Bab al Aboud, que une o portão de Jaffa ao de Damasco, parecia servir de metáfora a um país desiludido com os políticos. Ao cair da noite, no entanto, a rua estava cheia de vendedores e pregões, gente encostada aos muros em discussões inflamadas, vendedores que instalavam bancas e outros que transportavam mercadoria em carrinhos de mão. Os resultados saíram e Jerusalém agora é a metáfora perfeita. No lado ocidental, a animação tomou conta das ruas. A oriente, terra dos palestinianos, um silêncio sepulcral. Os próximos dias decidirão o novo primeiro-ministro. Se as promessas da tal campanha suja se cumprirem, esperam-se dias difíceis na Cisjordânia.
*O jornalista viajou ao abrigo da bolsa de reportagem EUPOL da União Europeia