29 dezembro 2017 às 00h30

Trump na campanha ameaça ser pesadelo para republicanos

Nas intercalares de novembro, democratas podem recuperar uma das câmaras do Congresso. E condicionar o resto do mandato do presidente.

Helena Tecedeiro

No dia 6 de novembro de 2018, os americanos vão às urnas eleger os 435 membros da Câmara dos Representantes, 33 dos cem senadores e os governadores de 36 dos 50 estados. O nome de Donald Trump não estará em nenhum dos boletins de voto. Mas este não deixa de ser um teste ao presidente, dois anos depois da sua vitória-surpresa. Talvez por isso a Casa Branca esteja a planear uma verdadeira campanha de apoio aos candidatos republicanos. Ora com a popularidade nos 35%, o que faz dele o presidente menos apreciado ao fim do um ano de mandato, o milionário arrisca-se a ser mais um problema para os candidatos do seu partido do que uma ajuda.

"Sim, ele vai ser uma fraqueza nas intercalares de 2018. Se isso vai chegar para os democratas recuperarem a Câmara dos Representantes ou o Senado, teremos de ver. Se isso acontecer, será uma espécie de referendo a Trump e aos republicanos que têm estado ao seu lado", explica Tim Sieber. E o professor da Universidade do Massachusetts Boston recorda que "se tivermos em conta que por norma o partido no poder sofre perdas nas intercalares, é muito provável que Trump prejudique os republicanos".

Mário Avelar também recorre à "perspetiva histórica" para dizer que "é previsível a vitória dos democratas na Câmara dos Representante". Quanto ao Senado, o professor catedrático de Estudos Anglo-Americanos da Universidade Aberta - CEAUL garante que "não é nada previsível, visto depender, desde logo, da vulnerabilidade dos lugares, não só dos republicanos mas também democratas que estiverem em disputa". E explica que, por exemplo, "dez candidatos democratas são-no em estados em que o presidente Trump saiu vencedor, enquanto apenas dois republicanos o são em estados onde Clinton não esteve longe da vitória".

O envolvimento de Trump numa campanha já provou poder ser perigoso, como aconteceu com Roy Moore, o candidato a senador do Alabama que o presidente apoiou formalmente apesar de este ser acusado de assédio sexual a menores. Moore, um ex-presidente do Supremo estadual duas vezes afastado do cargo, acabou por perder para Doug Jones, dando aos democratas a primeira vitória em 25 anos neste estado do Sul profundo (onde Trump ganhou em 2016).

E se muitos receiam ser contagiados pela impopularidade de Trump e temem as saídas do guião do presidente durante os comícios, a verdade é que o milionário é uma verdadeira máquina de recolher fundos. Um dom muito útil num partido em que a Comissão Nacional Senatorial tem gasto nos últimos meses mais dinheiro do que aquele que recolheu.

Segundo o Politico, Trump já terá feito saber aos colaboradores que tenciona viajar pelo país, participar em comícios e passar a maior parte do próximo ano em campanha. Até porque, como explica o site fundado em 2007 a pensar nas presidenciais do ano seguinte, não só o resultado destas eleições "vai determinar em grande parte o que ele vai poder fazer" como "ele está à espera de ser culpado pelas derrotas" do partido.

"Considerando ser possível a recuperação da Câmara dos Representantes, será aqui que muito do sistema dos checks and balances poderá funcionar, nomeadamente no que envolve temas mais fraturantes, como o da reforma da saúde", explica Mário Avelar. E se 2018 começa com Trump ainda a colher os louros da sua grande vitória interna - a aprovação da reforma fiscal -, tudo pode mudar se os republicanos perderem a maioria que neste momento têm em ambas as câmaras do Congresso.

"Se os democratas recuperarem uma das câmaras, isso terá um grande impacto na agenda de Trump", afirma Tim Sieber. Para o académico, um Senado democrata, sobretudo, seria importante uma vez que é ele quem aprova os nomeados do presidente para cargos públicos, sobretudo os juízes do Supremo. E se com a escolha de Merrick Garland - depois de terem bloqueado o nome proposto por de Barack Obama nos últimos meses da sua presidência - Trump já deu uma maioria conservadora à mais alta instância judiciária dos EUA, o facto de dois dos nove juízes (um cargo vitalício) terem mais de 80 anos deixa em aberto a hipótese de o republicano ter de nomear mais magistrados antes do fim do mandato. Já uma Câmara democrata poderia, ainda segundo Sieber, "dar aos democratas uma abertura para avançarem com um processo de impeachment" contra o presidente.

É verdade que até às eleições faltam mais de dez meses e muita coisa pode mudar. Ou não tivesse o presidente americano já provado que sentar-se na Sala Oval não o tornou menos imprevisível. Afinal muitos analistas achavam que as promessas mais polémicas do milionário ficariam na gaveta mal ele chegasse à Casa Branca e que este iria moderar a sua retórica. Mas nada disso. Nos primeiros 11 meses no cargo, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris sobre o clima, proibiu a entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana, reconheceu Jerusalém como capital de Israel. E se viu o Congresso chumbar a sua reforma da saúde e a falta de financiamento adiar a construção do muro com o México, conseguiu aprovar uma reforma fiscal que os críticos acusam de beneficiar apenas os ricos. Pelo meio, viu alguns membros da administração cair devido às alegadas ligações à Rússia e o próprio genro (e conselheiro) investigado pelo procurador especial Robert Mueller, denunciou as fake news dos media que lhe são hostis e ameaçou lançar "o fogo e a fúria" sobre a Coreia. Quase tudo através dos 140 caracteres de um tweet (ou 280, a partir de 7 de novembro).

"Se alguma coisa que este ano de mandato do presidente Trump nos ensinou é que ele é tudo menos previsível", diz Mário Avelar. O académico admite que "talvez seja isso, essa capacidade de nos surpreender, o "maior legado" deste primeiro ano de mandato". Um período em que "assumiu particular relevo o modo como a América se tem posicionado em relação ao mundo, como tem dialogado com os aliados tradicionais, como tem escolhido os seus interlocutores". O professor destaca a "perturbação de uma ordem política internacional, onde o America first passa a ser determinante, repercutindo-se numa pulverização das relações bilaterais".

Com as intercalares à vista, não falta já quem olhe para 2020 e umas presidenciais cujo resultado dependerá muito deste escrutínio. É que se uma Câmara democrata poderia iniciar um processo de destituição, não é de afastar o cenário de uma reeleição de Trump. "Alguns dizem que Trump pode voltar a ganhar. Depende do que acontecer com a investigação de Mueller", explica Sieber. O professor de Boston recorda que a base de apoio de Trump é "uma minoria" e não chega para o reeleger se o milionário não mantiver os votos dos independentes e democratas que o escolheram em 2016. Do lado democrata, (pré-)candidatos não faltam. Mas depois da derrota de Hillary Clinton, o partido terá de fazer uma escolha entre dois caminhos: "O radicalismo tipo [Bernie] Sanders e uma submissão aos grupos que têm tribalizado muita da sociedade americana, ou por uma via mais próxima da social-democracia", diz Mário Avelar.