Mundo
29 novembro 2018 às 15h16

"Se fosse hoje, acordo do Brexit talvez não passasse. Mas com 2 semanas de campanha, quem sabe?"

O embaixador britânico em Lisboa, Chris Sainty, falou ao DN na residência oficial, dias depois de os 27 terem dado luz verde ao acordo do Brexit. Com o documento ainda a carecer de aprovação no Parlamento britânico a 11 de dezembro, o diplomata mostrou-se otimista, afirmando achar "difícil imaginar que o nosso Parlamento rejeite um bom acordo [...] enquanto as alternativas são tão incertas e arriscadas".

Helena Tecedeiro

O acordo do Brexit foi finalmente aprovado pelos 27, mas o mais difícil continua por fazer: obter a aprovação do Parlamento britânico. Um cenário possível é voltarmos à estaca zero a três meses da data de saída do Reino Unido da União Europeia?

É certo que estamos num momento delicado, um momento de incerteza política no Reino Unido. A Câmara dos Comuns votará a 11 de dezembro e o governo vai precisar de uma maioria quando votar. Esse é um grande desafio para a nossa primeira-ministra Theresa May. Se a votação fosse hoje é possível que ela não conseguisse essa maioria. Mas após duas semanas de campanha, uma campanha vigorosa, liderada por uma primeira-ministra muito determinada, quem sabe? Pessoalmente eu acho difícil imaginar que o nosso Parlamento rejeite um bom acordo entre o Reino Unido e a União Europeia. Enquanto as alternativas são tão incertas e arriscadas. Mas obviamente, o pior cenário seria uma saída da União Europeia sem acordo. Isso seria um resultado muito mau, tanto para o Reino Unido como para os nossos parceiros europeus. E provavelmente esse cenário traria uma certa perturbação económica temporária. Mas mesmo nesse cenário, eu tenho a certeza que o Reino Unido e a União Europeia encontrariam soluções porque somos parceiros comerciais muito importantes. E ambos os lados reconhecem esta realidade.

A hipótese de um segundo referendo está mesmo em cima da mesa ou só viria gerar mais instabilidade?

Eu não acho muito provável a hipótese de um segundo referendo. A verdade é que há uma campanha enérgica no Reino Unido a favor de uma nova consulta popular. Mas não é a posição da nossa primeira-ministra, do nosso governo. Não é também a posição oficial do principal partido da oposição, o Partido Trabalhista. Por isso não consigo imaginar as condições políticas no Reino Unido para que haja um segundo referendo, uma vez que não existe a vontade política dentro do nosso Parlamento. Não existe também uma maioria, que seria necessária para fazer um novo referendo.

Uma das questões que se falou mais e que foi mais complicada nestas negociações foi a da fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. O acordo de Sexta-Feira Santa, que em 1998 pôs fim a 30 anos de confrontos, está garantido?

Como Acordo, sim. A questão da fronteira irlandesa foi o tema mais difícil nas negociações. Mas os negociadores conseguiram encontrar uma solução. E na data da nossa saída, a 29 de março do próximo ano, começará um período de transição de 21 meses durante o qual as regras comerciais não vão mudar. Durante esses 21 meses o governo britânico vai tentar negociar com Bruxelas um acordo comercial permanente. Se não tivermos conseguido concluir esse acordo antes do fim de 2020, temos duas opções: ou prolongar o período de transição, ou implementar o chamado backstop irlandês. Mas em todos esses cenários, o Acordo de Sexta Feira Santa será bem protegido.

Uma questão que também voltou a estar em cima da mesa com o acordo do Brexit foi o fantasma da independência da Escócia. Com o Reino Unido fora da União Europeia, os nacionalistas escoceses vão ter a tentação de fazer um novo referendo à independência?

Os escoceses tiveram um referendo sobre a independência há quatro anos. E eles votaram por uma maioria bastante esmagadora a favor de permanecer dentro do Reino Unido.

Sim, mas foi antes de o Reino Unido votar pelo Brexit. A realidade era bastante diferente?

Bastante diferente, é verdade. Mas eu diria que sem dúvidas os nacionalistas escoceses sonham com a possibilidade de um segundo referendo. Mas é muito importante lembrar que os nacionalistas escoceses não falam por toda a população da Escócia. E eu não vejo muitos sinais de que a vontade da população escocesa sobre esta questão tenha mudado nos últimos anos, apesar do Brexit. Por isso não acho muito provável que a questão volte nos próximos anos.

Às 23h de 29 de março de 2019, o Reino Unido sai oficialmente da União Europeia. O que espera das relações entre Londres e Bruxelas depois dessa data?

Vamos sair a 29 de março do próximo ano e segundo o acordo nessa mesma data começará um período de transição durante o qual o Reino Unido, estando fora da União Europeia, vai permanecer dentro do mercado único e da união aduaneira. Durante esses 21 meses o objetivo vai ser concluir um acordo de livre comércio muito ambicioso e permanente que também ofereça uma solução permanente à questão irlandesa. Isso seria muito do interesse britânico e europeu. Sem acordo, a situação será bastante diferente. E muito mais incerta e instável a curto prazo. Mas como já disse acho que as economias britânica e dos nossos parceiros europeus são muito flexíveis, muito resilientes e após um período de interrupção económica, provavelmente inevitável, tenho a certeza de que encontraremos soluções para lidar com qualquer situação.

Diz-se que é uma situação em que todos saem a perder, a UE perde uma das suas grandes potências, o Reino Unido perde as vantagens de pertencer à União. Consegue ver alguma vantagem nesta saída?

Fora da União Europeia, o Reino Unido poderá desenvolver um novo papel no mundo. Mais concretamente, teremos a oportunidade de determinar as nossas próprias relações comerciais com outros países, de concluir acordos de livre comércio com o resto do mundo. Obviamente isso poderia criar novas perspetivas económicas para o nosso país. Ao mesmo tempo vamos recuperar o controlo das nossas fronteiras, do nosso dinheiro, das nossas leis. Vamos ser um país mais independente, digamos. E isso foi um dos principais motivos para aqueles que votaram pelo Brexit em 2016. Quanto à União Europeia, cabe a vocês encontrarem as vantagens [risos]. Mas pode ser que também encontre vantagens em ter uma relação um pouco menos estreita com o Reino Unido. Por exemplo para aqueles Estados-membros que querem acelerar o processo de integração europeia, pode ser um pouco mais fácil não ter os britânicos na sala.

Portugal gosta de recordar que Inglaterra é a sua mais velha aliada, ajudou inclusive a fundar o nosso país - cerco de Lisboa, Batalha de Aljubarrota - e até temos a nossa Catarina de Bragança, vossa rainha, ali na parede, essa relação é mais forte do que qualquer Brexit?

É certo que existe uma relação muito especial, histórica, entre os nossos dois países. Temos a nossa antiga aliança, temos mais de seis séculos de história partilhada, de amizade profunda. E temos também muitas outras coisas: temos a nossa geografia Atlântica, os nossos valores e interesses no mundo, colaboramos muito no campo internacional, multilateral. Temos também relações comerciais muito fortes e crescentes, apesar do Brexit. E seja em sectores tradicionais como os têxteis, indústria alimentar, vinho, seja em sectores mais modernos, mais inovadores, como os serviços digitais, ciências da vida, artes criativas. O volume de comércio entre os nossos dois países cresceu quase 50% nos últimos cinco anos e ainda está a crescer. Então sim, para mim, o nosso relacionamento bilateral é muito forte, muito maior do que qualquer Brexit.

Isso não impede que os portugueses no Reino Unido estejam preocupados com o Brexit. Têm razões para isso?

Eu compreendo perfeitamente as preocupações dos portugueses e dos outros cidadãos da União Europeia que vivem no Reino Unido. E não podemos esquecer os cidadãos britânicos que vivem em Portugal e noutros países europeus e que têm preocupações semelhantes. Todos estão a passar por um período de incerteza. Mas no cenário de um acordo entre o Reino Unido e a União Europeia os direitos de ambos estes grupos serão muito bem protegidos. E no cenário sem acordo, a nossa primeira-ministra Theresa May já assumiu um compromisso muito forte relativamente aos cidadãos europeus do Reino Unido. Ela disse que qualquer que seja o desfecho das negociações neste processo do Brexit, os seus direitos serão protegidos. Eu gostaria de lembrar que há uma comunidade de cerca de 400 mil portugueses no Reino Unido que vivem, trabalham e estudam no nosso país. E valorizamos muito o contributo fundamental que eles dão para a nossa sociedade. Para mim seria impensável que o governo português não assumisse um compromisso igual relativamente aos britânicos aqui em Portugal. Por isso compreendo perfeitamente estas preocupações mas acho que os direitos destes cidadãos estão bem protegidos.

Há umas semanas, o Diário de Notícias fez uma reportagem com britânicos em Portugal, na zona de Penamacor e eles mostravam-se preocupados com o Brexit. Têm-lhe chegado, aqui à embaixada, preocupações, queixas, dúvidas?

A comunidade britânica em Portugal tem cerca de 50 mil pessoas. É uma comunidade diversa. E sim, claro que alguns têm preocupações quanto ao futuro pós-Brexit. Mas pelas mesmas razões que já referi, acredito que os seus direitos serão protegidos em qualquer situação, seja qual for o resultado deste processo político. E esta é a mais ou menos a mensagem que estamos a tentar comunicar, com apoio do governo português, à nossa comunidade aqui em Portugal.

Fez questão de dar esta entrevista em português e fê-lo num excelente português. Tem alguma relação especial com a nossa língua ou gosta se aprender sempre a língua do país onde serve?

Obrigado pelo elogio. Na minha carreira foi sempre importante aprender e estudar a língua do país onde estava a trabalhar e a representar o Reino Unido. Na minha opinião, para ser um bom diplomata é preciso conhecer bem os países, as suas culturas, histórias, tradições. E, sem dúvida, que um bom conhecimento da língua é uma parte fundamental disso.