Rússia cada vez mais perto de despenalizar violência doméstica
Já é quase certo: sexta-feira, deverá entrar em vigor a despenalização da violência doméstica na Rússia, depois de os deputados da câmara baixa terem votado em grande maioria a favor da proposta de lei nas duas leituras já ocorridas: os agressores sem cadastro que causem apenas ferimentos ligeiros que não exijam hospitalização da vítima poderão então ser sujeitos a multas ou condenados a cumprir serviço comunitário.
A entrada em vigor desta disposição, que deverá ser adotada definitivamente na sexta-feira, 27 de janeiro, fará com que bater num filho, mulher ou avô - provocando-lhe hematomas e arranhões - deixe de ser crime punível com prisão, desde que o agressor não repita o ataque, e ao mesmo familiar, no prazo de um ano.
Os deputados russos aprovaram em segunda leitura a nova legislação. A menos que haja uma surpresa de última hora, deverão aprová-la também na terceira leitura, marcada para sexta-feira. A partir dessa data, as agressões ocasionais contra familiares na Rússia apenas incorrerão em responsabilidade administrativa, desde que não ocorram mais do que uma vez por ano.
Vladimir Putin terá depois de promulgar o diploma, que na segunda leitura foi aprovado com 358 votos a favor, dois contra e uma abstenção. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, citado pela BBC, congratulou-se pela aprovação da proposta, dizendo que é importante distinguir entre as "relações familiares" e os incidentes de violência repetidos.
"Foi um voto histórico, porque em alguns países o papel do Estado na vida familiar ultrapassa todos os limites", referiu o deputado Andreï Issaïev.
"Sem nenhuma dúvida que é preciso uma regularização legal que crie um obstáculo à violência doméstica. Mas também não se podem equiparar casos menores a violência familiar", disse ainda Peskov.
Quando o projeto-lei foi debatido pela primeira vez no parlamento russo, a 14 de janeiro, o advogado especializado em violência do género Mari Davtian considerou a nova lei "um absurdo".
"As vítimas devem reunir todas as provas de espancamento e ir a todos os locais em tribunal para o provar. É um absurdo. O agredido deve investigar o seu próprio caso", disse.
Na prática, acrescentou o advogado, em 90% dos casos as vítimas não vão fazer qualquer denúncia, porque o procedimento é muito complicado e porque o agressor é alguém que está na própria casa.
"A descarada ingerência na família" pela justiça "é intolerável", considerou Vladimir Putin recentemente, ao responder a um ativista que o questionou sobre a conveniência de acabar com uma lei que permite "prender um pai só porque deu umas palmadas num filho porque o mereceu".
No entanto, o artigo 116 do Código Penal - que o governo russo quer agora despenalizar - não menciona bofetadas ou palmadas, mas sim "tareias", que podem deixar lesões como hematomas, arranhões e feridas superficiais.
Uma mulher morre a cada 40 minutos na Rússia vítima de violência de género, um número oculto e silenciado num país dominado por valores ultraconservadores que toleram o machismo como parte da sua tradição.
Entre 12.000 e 14.000 mulheres foram mortas pelos maridos em 2008, segundo números divulgados pelo Ministério do Interior russo, que, desde então, apesar dos múltiplos pedidos de organizações internacionais, não revela os números da violência doméstica no país.