09 novembro 2016 às 15h16

Seis promessas de Trump e o que ele pode mesmo fazer com elas

O candidato Trump fez promessas controversas e afirmou que certos compromissos internacionais poderiam ser revistos. O que pode e não pode ele fazer?

Abel Coelho de Morais

Uma maioria republicana na Câmara dos Representantes e no Senado é uma ferramenta tentadora para um presidente eleito com um programa ambicioso. Mas a relação conflituosa de Donald Trump com alguns responsáveis do partido republicano e os efeitos colaterais a nível popular de algumas medidas poderão constituir os maiores travões à sua concretização. Aqui ficam seis frases da campanha e os desenvolvimentos mais prováveis.

"Durante a Guerra Fria, tínhamos um teste ideológico. É tempo de desenvolver um novo teste para as ameaças que enfrentamos hoje. Chamo-lhe a seleção radical [dos imigrantes].

A construção de um muro ou vedação ao longo da fronteira com o México, que já existe parcialmente, seria dispendiosa. Segundo o próprio Trump teria um custo de oito a 12 mil milhões de dólares (7,2 a 10,8 mil milhões de euros). O projeto teria de passar pelo Congresso, onde muitos republicanos são reticentes à presença em larga escala de migrantes clandestinos e legais, que consideram uma ameaça à mão-de-obra americana. Por outro lado, os elevados custos da construção do muro, a pressão de grupos ligados a empresas que beneficiam da mão-de-obra estrangeira e da comunidade hispânica pode acabar por bloquear ou reduzir substancialmente os objetivos iniciais de Trump.

Acompanhe aqui em direto o dia a seguir às eleições:

[artigo:5486923]

"Vamos fechar acordos comerciais muito bons".

A margem de manobra de Trump é limitada. Pode abster-se de aprovar a Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês) ou forçar a renegociação do acordo de comércio livre com o México e o Canadá, (NAFTA, em inglês) e impor uma política fiscal mais dura para com as exportações provenientes da China, mas tudo isto não deixaria de ter repercussões negativas na economia americana. Os países afetados podem retaliar, impondo taxas sobre os produtos americanos, ao mesmo tempo que o fim dos espaços de comércio livre significaria que a importação de produtos estrangeiros ficaria também mais dispendiosa, refletindo-se num aumento do preço desses bens.

"Imediatamente após a tomada de posse, vou pedir às chefias militares para me apresentarem um plano, no espaço de 30 dias, para derrotar o Estado Islâmico. O que vai implicar um combate militar, cibernético, financeiro e tecnológico".

É fácil afirmar que se neutraliza um grupo terrorista. Mais difícil é concretizá-lo. A referência à componente militar, tecnológica e financeira significa que Trump está a par das múltiplas dimensões do desafio do terrorismo islamita. O novo presidente recusa a entrada de refugiados sírios nos EUA, e de muçulmanos em geral, defendeu a criação de zonas tampão para acolher aí as pessoas que procuram fugir ao conflito. A criação destas zonas seguras levanta a questão de como seria garantida a sua segurança - de forma unilateral pelos EUA e/ou NATO - ou no quadro de uma missão da ONU, onde seria certo o veto da Rússia. Questão conexa, o custo da criação e manutenção dessas zonas, que Trump afirmou que seriam financiadas pelos Estados do Golfo. O que também não é certo.

[artigo:5487828]

"O presidente Obama disse que quando um telemóvel novo aparece e tem problemas, é reparado e se acaba por se incendiar, então retiram-no do mercado. Pois olhe, é o que vou fazer com o seu Obamacare".

Este é um ponto em que Trump pode, de facto, atuar, mas as consequências políticas podem revelar-se contraproducentes. Com a maioria em ambas as Câmaras, os republicanos, com 51 votos, no Senado, precisam apenas de mais nove para revogarem a legislação conhecida como Obamacare. Se não é certo que consigam esses votos, até por estar em causa o legado da administração Obama, a reação de muitos americanos será negativa. O fim do Obamacare comprometeria o seu acesso a cuidados de saúde. Trump tem defendido um maior controlo estadual sobre os planos de saúde para os desfavorecidos e a criação de seguros a nível nacional para garantir o acesso à saúde. Trump pode ainda interferir no alcance do Obamacare com a nomeação de responsáveis para a direção do programa.

"Se baixarmos nossos impostos e removermos alguma legislação (...) então não há limite para o número de postos de trabalho que podemos criar".

A redução de impostos, a que Trump quer associar um maior rigor na sua aplicação, conjugada com a manutenção de programas sociais, que representam um terço da despesa pública, segundo a Reuters, levaria ao aumento da dívida pública, ainda que o novo presidente afirme que deseja acabar com isenções e benefícios atualmente em vigor. No primeiro ponto, a maioria republicana seria favorável a medidas nesse sentido; mas o impacto do segundo aspeto no orçamento federal não será bem visto por muitos setores daquele partido.

"Há muitos anos que somos desrespeitados, gozados e burlados por outros, que têm sido mais espertos, mais astutos e mais duros".

É talvez um dos pontos em que irão revelar-se mais notórias as diferenças entre o dito na campanha e a linha de atuação do novo presidente. É impossível pensar numa redução do envolvimento americano na Aliança Atlântica ou numa política de complacência para com o regime de Vladimir Putin. Haverá certamente diferenças face à anterior administração, mas o reconhecimento da anexação da Crimeia ou a suspensão das garantias de apoio a um país aliado, ao abrigo do artigo V do Tratado da NATO, como Trump deixou no ar em julho, são impossíveis. Então, Trump argumentou que "primeiro teria de ver se esse país cumpria com as responsabilidades financeiras" para com a Aliança, referência à meta das despesas com a Defesa que devem corresponder a 2% do PIB de cada Estado membro, o que a grande maioria não cumpre. Uma das prioridades da NATO é conseguir que os seus membros adiram aquela meta. Noutro plano, as palavras de Trump traduzem o distanciamento face à convicção recorrente em Washington que vê nos EUA uma "nação indispensável" no mundo e que conduziu a envolvimentos em dispendiosas operações militares no Iraque e no Afeganistão. As relações com a Arábia Saudita e o Japão foram também criticadas por Trump, afirmando que, no primeiro caso, os EUA deveriam deixar de comprar petróleo saudita, pois não só possuem produção própria suficiente como têm fontes alternativas de aquisição. No segundo caso, existe a obrigação, que o novo presidente considera "unilateral, dos EUA em defenderem o Japão, país que está constitucionalmente impedido de ter forças armadas e que gasta apenas cerca de 1% do PIB em Defesa. A referência à renegociação do acordo nuclear com o Irão também não surge como uma hipótese realista.

[artigo:5487706]