06 novembro 2017 às 00h37

Campanha anticorrupção assinala "nascimento de uma nova Arábia Saudita"

Onda de detenções vem reforçar o poder do herdeiro do trono saudita, que avisara que ninguém, "seja príncipe seja ministro", está acima das leis. Analista considera que o reino está a viver uma "transição muito importante".

Abel Coelho de Morais

O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, viu reforçados os vastos poderes que já detém no reino na sequência da detenção na noite de sábado para domingo de onze príncipes da família real, entre os quais o poderoso ministro da Guarda Nacional, Miteb bin Abdullah, e o empresário e multimilionário Alwaleed bin Talal, quatro ministros em funções e vários ex-ministros, todos acusados de corrupção. Uma ação sem precedentes na história desta monarquia da região do Golfo.

Numa recente entrevista, Mohammed bin Salman, conhecido pelas iniciais MbS, notara que "ninguém está acima da lei, seja um príncipe seja um ministro". Para um especialista em política da região, Fawaz Gerges, "está a assistir-se ao nascimento de uma nova Arábia Saudita". Falando à CNN, Gerges explicou que "tudo o que tem sucedido neste último ano" no reino evidencia que o príncipe herdeiro "está a pôr em prática as suas ideias, a neutralizar a oposição mas também quer impedir, como disse há dias, a desagregação da economia e a saída de recursos para outros países". Para Gerges, "a Arábia Saudita está a viver uma importante, muito importante transição".

As prisões sucederam um pouco por toda a Arábia Saudita, com os detidos a serem levados para o hotel Ritz Carlton na capital, Riade. A Reuters escrevia ontem que um dos seus jornalistas foi impedido de se aproximar do local, onde era visível um forte dispositivo de segurança assim como ambulâncias.

A justificação para as detenções foi a "proteção dos dinheiros públicos e o combate à corrupção", disse o ministro da Cultura e Informação, Awad bin Saleh, à agência oficial saudita. Mas, para os analistas, a razão central para as detenções assenta no reforço dos poderes de MbS, em especial sobre as forças de segurança, e na neutralização de críticos às suas políticas. Entre os afastados de funções estão pessoas que se opõem à política externa seguida por Riade, nomeadamente na questão do boicote ao Qatar, ou a decisões no plano interno, como o fim de uma série de subsídios a pessoas e a empresas ou a privatização de empresas públicas, como se espera que venha a suceder, ainda que de forma parcial, com a petrolífera Aramco.

Noutras áreas, o anúncio em setembro do fim da proibição de as mulheres conduzirem e alguns aspetos da Visão 2030, programa de reforma e modernização da sociedade saudita que teve na sua génese MbS, estariam também a ser contestados por setores mais conservadores. Entre os aspetos da Visão 2030 que suscitam anticorpos nos meios conservadores está o incentivo à entrada de turistas, a promoção de espetáculos públicos "diversificados" e uma liberalização controlada da vida social.

Ao afastar importantes figuras na complexa hierarquia e teia de relações na esfera da família real, MbS, de 32 anos, consolida a posição como príncipe herdeiro e, atendendo à idade avançada do pai, 81 anos, está a reunir condições para dirigir o reino por várias décadas. Muitos observadores da política saudita consideravam que, ainda antes da presente onda de prisões, MbS era já o homem mais poderoso no reino e seu governante de facto.

As detenções foram conhecidas pouco depois do anúncio da criação pelo rei Salman, também ontem, de uma comissão de luta contra a corrupção, presidida precisamente pelo filho, MbS. A principal surpresa foi a detenção de Alwaleed bin Talal, de 62 anos, neto do fundador da dinastia Saud, sobrinho do rei Salman e um dos 50 homens mais ricos do mundo, segundo a lista da Forbes para 2017, com uma fortuna estimada em 18 mil milhões de dólares. Bin Talal é conhecido pelas suas extravagâncias, que passam, entre outros aspetos, por ter oferecido automóveis de luxo Bentley a pilotos de combate sauditas que participaram na guerra no Iémen, mas principalmente como investidor, sendo o maior acionista individual do Citigroup e com presença noutras áreas como o imobiliário.

Quanto a Miteb bin Abdullah, este é filho do anterior rei, Abdullah, e o último elemento desta linhagem da família real a ocupar uma posição de poder real com o comando da Guarda Nacional. Corpo que pode ser considerado a guarda pretoriana do regime saudita, detendo o estatuto de ramo das Forças Armadas e estando sempre sob comando de um elemento preponderante da família real, que responde diretamente perante o monarca.

A Guarda Nacional tem ainda a particularidade de ser formada apenas por elementos das tribos leais à família Saud. Com mais de 220 mil efetivos, tem como missões centrais a proteção da família real e a segurança das cidades santas de Meca e Medina, entre outras tarefas.

As detenções agora efetuadas sucedem dois meses depois de o rei Salman ter afastado o sobrinho Mohammed bin Nayef da linha de sucessão, substituindo-o por MbS. Entre os presos estão ainda o comandante da Marinha de Guerra, o antigo diretor da transportadora aérea nacional, o irmão mais velho de Osama bin Laden, Bakr bin Laden, que dirige a principal empresa de construção civil no reino, vários outros empresários, o ministro da Economia, Adel Fakeih, e o proprietário das televisões MBC e Al-Arabiya.

Estas detenções seguem-se a outras em setembro, em que foram presas 30 pessoas, quer clérigos conservadores quer opositores aos Saud.

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